Anástrofe

Dormitava num vácuo escuro e frio quando um brilho expulsou a treva. A claridade mostrou no centro uma taça borbulhando fogo e percebeu-se, de repente, a girar no entorno, como que adorando, reverenciando a compoteira em chamas. Nebulosas sedosas lhe acariciaram o corpo sussurrando o nome da luz: - Amor... Amor... Amor. Tome-o... Tome-o... Tome-o para si. Logo, tomou posse dessa sedução, desse incentivo, se lançando rumo à fonte luminosa, esticando-se em sentimentos carinhosos e dedicados, até encostar a ponta da alma naquele clarão. Assustou-se! Foi vertido do alvo um líquido quente amarelo citrino, formando poças num chão ainda feito de sonhos. Estremeceu o peito condoído; não queria machucá-lo. Queria amá-lo, entregar-se completamente ao seu interior pra alimentar as brasas que acendiam aquele corpo. Adentrou mais um pouco e mais outro e percebeu que, a cada investida, mais líquido da chama descia. Não se importou. Queria ser parte do centro e tanto insistiu que acabou por se alojar naquele imo, mas, percebeu que, nada ali havia vazado. Lá dentro tudo era iridescente e intocável. Então veio a dura constatação: não fora dele o desmanche. E mais ainda; não restava mais nada de si.

MarySSantos
Enviado por MarySSantos em 24/06/2014
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