A pequena escritora.
Um lampião no canto da sala. O vento que penetra pelas frestas e desliza de modo sedutor fazendo arrepiar a parte da pele que se encontra descoberta. Os raios circulares da pouca luz movimentando-se à união dos elementos que residiam secularmente no pequeno cômodo.
Ritmicamente, uma pena banhada da tinta que tomava ares de bronze escorregava por um pergaminho. Num movimento quase frenético. Reluzindo as cores sonolentas despertadas ao toque parcial da luz amarelada.
Uma música tocava de um instrumento exótico abaixo da mesa, próximo a um banco em um dos cantos da sala. Ela era a inspiração para o universo que despertava acima e escorria pelo braço, mãos e tirava do espaço antes vazio um universo novo de sons, gostos e sentimentos. As mãos, às vezes trêmulas e enrugadas de um velho e sábio ancião de longas barbas e cabelos, guardados abaixo de uma espécie de chapéu, sem que fossem tiradas da caneta, transformavam-se nas mãos de uma criança, inconformada, furiosa e igualmente bondosa e às vezes ingênua. No segundo próximo e tornavam-se mãos de uma mulher, dotada de inimaginável beleza e distinta inteligência, de diferentes idades, que se apresentavam segundo os traços marcados no papel e daquilo que se contava ali.
Era o escritor, ou escritora em ação. Que, uma vez imerso em sua fantástica criação, deixava de pertencer a um tempo, não era mais homem ou mulher e perdia a idade. Era a soma de tudo aquilo. Mesmo a pequena escritora que não atingia mais do que umas dezenas de anos de idade permitia a força mágica e oculta por trás das palavras transmutar, modificar e realizar o impossível. Que mordessem a língua todos os demais personagens de seu mundo real, que triturariam sua obra prima entre dentes rangendo de amargura. O que a movia era algo além, maior. Infinitamente superior. Era a sua cultura em movimento, construção, a natureza, o ser, a grande alma. Era a liberdade que reside entre duas orações, uma frase, algumas palavras. Era a liberdade.