Ladeira da saudade
Seus passos desciam a ladeira. Estremecidos, tomados, junto a seu corpo pela ansiedade que lhe corroía além das unhas, além da pele. Quase suava, se não fosse o frio e a vaidade que limitavam o escorrer de gotas pelo seu corpo.
Seus olhos desciam a ladeira, atentos a todos os outros olhos que passavam ao seu lado, fugindo. Atentava-se aos sapatos e aos cabelos esvoaçados pelo vento - procurava, e o correr do mundo não o ajudava a encontrá-la entre carros, corrosão e multidão.
Mexia no cabelo apegando-se às meticulosidades de si, enquanto era visto sem notar. Suas pernas grossas, os passos apressados, descompassados, tentando esconder a pressa...Os pés abertos no caminhar, como ponteiros que apontam o horário: 'dez para as duas', as calças dobradas cuidadosamente para não rasgá-las em atrito com o chão.
A camiseta branca, neutra, como quem mostra paz em si, os ombros largos, as palmas das mãos em constante contato com seus dedos, esperando outro toque, outros dedos, outras mãos, menos ásperas, mais calmas...
Os passáros desciam a ladeira, em sintonia com seu caminhar, apressados, objetivos, criando um paradoxo entre sua atenção e seu procurar disperso. Eram passos estremecidos pelo receio de não estremecê-la ao chegar.
Passavam diversas moças, dispersas do que se passava ao seu lado enquanto ele procurava atentamente, fixamente em cada uma delas uma semelhança para crescer em si a ansiedade do real encontro.
Era a segunda quadra que descia, passara por alguns paralelepípedos quebrados e não cambaleava, sua vaidade era o que limita suas possíveis falhas. (Mesmo que por dentro estivesse se apoiando nas paredes...)
No pouco reparar de um ponto rosa na subida de sua descida, foi travado por um sorriso, que de tão sutil, cegou. Dos pés à cabeça tinha as ferramentas certas para cegar...Traços delicados, uma voz envolvente, estatura baixa, olhar delicadamente marcando o seu...
E agora que seus passos haviam encontrado compasso, parou. Retirou do bolso uma flor, tulipa lilás, com algumas marcas de dobra, mas ainda inteira, completa, com o cabo cortado cuidadosamente, linda. Com pouca precisão, lhe entregou. Não disse mais nada, sabendo que palavras não eram capazes de explicar o que não tinha ou teria explicação. Seguiu, calado, descendo a ladeira ao seu lado. Suas palavras em tom alto, desde então não foram um fracasso, mas ela sabia que ele a cantava melhor sem dizer...Baixinho, quase calado...