Ela jogou a toalha

Morrer limpo.

Ela saiu do banho, a metrópole fazia mais barulho do que de costume lá fora, ou quem sabe, era apenas o interior dela que estava mais calado com a recente resolução, que agora nela morava, mas já a visitava há tempos. Não havia passado no vestibular, pelo segundo ano consecutivo. Medicina não era fácil. Por isso, nesse segundo ano, tentou Direito. E não deu certo. Não estava disposta a tentar algo mais fácil no ano seguinte. Se seguisse assim, acabaria se candidatando a uma vaga num fast food. De todo modo, os pais não bancariam apartamento e comida por mais um ano. Teria de voltar para o interior e ajudá-los na padaria, pequeno e próspero negócio que mantinha a família firme.

Ela estava engordando. Tinha apenas dezoito anos e já não apareciam muitos rapazes. Quando tivesse vinte, talvez precisasse de uma cirurgia de redução de estômago. Mas antes poderia tentar medicamentos para emagrecer. Isso parecia fútil. Mas o mundo era fútil, e ela não queria mudá-lo, e se tentasse não o mudaria, isso é conversa fiada e de conversa fiada ela estava cheia. A outra opção era ser fútil e ela estava cansada dessa opção também. Viver é difícil, numa escala de dificuldade na qual os graus são sempre progressivos. Ela cansou. Jogou a toalha molhada depois de tirá-la do corpo no piso da sala. Foi até a varanda e mergulhou nua. Sua cabeça se abriu no asfalto, o cheiro de shampoo misturou-se ao cheiro horrendo de massa encefálica, formando poças de sangue com bolas de sabão. Uma ambulância chegou, a área foi isolada.

- Esses jovens, não sabem nada sobre a vida, matam se por qualquer coisa- disse um andarilho de dentes podres e cabelo grisalho seboso, que fedia cachaça.

As pessoas bem vestidas e trabalhadoras que interromperam seus destinos para olhar o corpo da jovem repudiaram-no com palavrões: "Mendigo!" "Velho fedorento!" "Desalmado de merda, quer uma porrada?".

Aos poucos a multidão se desfez. O corpo foi levado. E todos que testemunharam aquela triste cena foram para seus trabalhos, escolas de artesanatos, agências bancárias, ou assistir as outras coisas horríveis e mais novas que estavam acontecendo na cidade.

Mais tarde, o dono do prédio que estava em viagem soube de tudo. Achou lastimável. Apesar disso, conseguiu alugar o apartamento na semana seguinte, pelo mesmo preço. Nem precisou devolver o aluguel daquele mês que havia iniciado- já havia sido pago.

E o contrato era bem claro: sem devolução.

R A Ribeiro
Enviado por R A Ribeiro em 09/10/2013
Reeditado em 27/07/2015
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