Ruídos.

Vinicius, sentado no estofado da sala, assiste à partida de futebol, reprise de um jogo medíocre. No intervalo, fala baixinho para a esposa:

— Que vontade de tomar um cafezinho fresco.

— ...

Agora, em tom de intimidação:

— Faz um café pra nós.

— Para nós, uma ova! Você sabe que eu não tomo café à tarde, faça você, eu já estou passando a tua camisa.

Cala-se para evitar briga. Coloca água no fogo, mas lembra que acabaram seus cigarros. Discretamente sai, aproveita para arejar a cabeça, vai até o posto de gasolina, a duas quadras de sua casa, para comprar cigarros. Ao sair da loja de conveniência, vai a um telefone público e liga:

— Alô.

— Oi, meu amor!

— ...

— Eu saí para comprar cigarro e me deu uma saudade de você. Acho que faz anos que não nos falamos ao telefone.

— Ah! Vá... vá...

— É que senti saudades de ouvir sua voz pelo telefone. Ela fica tão sensual.

— O que é? Fala!

— É que pessoalmente não temos tido tempo para conversar, há muito ruídos pela casa, a tevê na sala sempre ligada, o som no quarto, as torneiras abertas, descarga no banheiro, o gato miando no escritório, o cachorro latindo no quintal, o telefone tocando direto, quase sempre a chata da sua mãe para reclamar do bêbado do seu pai, e ainda nossa filha fazendo bagunça, ou pedindo uma coisa, outra coisa e todas as coisas juntas... Enfim, estou ligando para dizer apenas que ainda gosto muito de você.

— Eu também continuo gostando muito de você, meu amor.

— Então faça o café, pô! Que já estou chegando, tô escutando a chaleira apitando, a água vai secar. E vê se não mela, hein!

julio damasio
Enviado por julio damasio em 13/04/2007
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