Seu fascínio não está apenas na beleza perfeita e líquida que flui pelos dias e pelas noites, como um rio de prazeres.
Nela, tudo tresanda a sonho e desejo de amá-la – ou fascinar-se por ela – e tem o mesmo ímpeto de um apetite voraz, que arrebata e abate o caçador feito presa.
Mas a armadilha invisível está lá. Pulsa quando seu espírito, rebelde e atormentado, debate-se em grilhões de arbítrio e desespero. Ela, que poderia ser uma e a mesma, transforma-se em tantas e em nenhuma.
De sua boca de riso cinzelado, palavras árduas e juras de amor brotam com a mesma leveza. Dor e alegria nela têm o mesmo sabor, a mesma encarnação. Jogo de luz e de sombras.
Em suas mãos o carinho acolhedor torna-se tremor de medo, de repulsa, abismo de presentes e passados. A tepidez do querer mastigada pelo medo de ser.
Em seu corpo brotam asas e garras de águia. Os olhos plácidos, a um piscar, renovam o fitar distantes das serpentes. Ave e serpente. Terra e ar. Meu coração quer gritar, mas só no ventre úmido da madrugada, choro as lágrimas do desencanto.
E me dirão: ainda assim amas? Em mim pulsa também a sede do lobo, a solidão inóspita do condor. Eu e ela somos bichos. Em eterna mutação.