Descontínuo
O sol parecia pálido naquela tarde cinzenta. Parecia incluso, brilhava escondido, reluzia apenas nos olhos daquela criança esperançosa. O outono era chegado, e aquelas folhas no chão pareciam na verdade os pedaços daquela moça desperdiçada, gasta, perdida.
Seu filho completara três anos naquela tarde sombria, e ela preferiu não festejar, não iludir aquela criança com a ideia de que a vida deveria ser comemorada, contemplada. Eram apenas dois, e cabia tanto vazio entre aquelas duas almas, que o conhecimento se esvaía.
Pensava com raiva naquele amor-lobo com pele de cordeiro. E olhava pra o fruto dele com uma incerteza que lhe doía a existência. Não sabia se escolhia o sentimento natural, ou a verdade que a vida lhe ofecera tão cedo. Uma surra inesperada e descontínua. Bebia a dor aos poucos, pausadamente, esperava da memória a felicidade de esquecer-se de si há três anos atrás. Viver pra frente. Mas aquela doce criança lembrava tanto ódio, tanta mágoa.
Tudo o que aquela jovem tinha, era um passado que lhe atormentava, e um belo fruto de raízes podres que a deixava confusa sobre provar sua doçura, ou enterrá-lo na terra amarga do seu coração e deixá-lo voltar à sua árvore. A vida descontinuava todos os dias, e ela juntava aquelas folhas no quintal de sua humilde casa, pra tocar fogo nelas, quem sabe a fumaça levasse aos céus todas aquelas palavras encarceradas em sua alma, em seu olhar.