A Voz de Deus

Eu tinha quinze anos quando perdi a fé em Deus. Não foi uma perda sofrida; apenas deixei de pensar que um ser superior, de barbas brancas, sentado em um trono sobre nuvens, pudesse me dar algo que eu, por minhas próprias mãos, não pudesse alcançar.

Tornei-me adulto fiel a essa indiferença tranqüila. Casei e tive filhos. Uma família feliz, porque absolutamente comum. Até que um dia – acho que um domingo – comecei a escutar a voz.

De início, não entendi o que dizia. Parecia falar em um idioma estranho. Depois, entendi a primeira frase: é hora de acordar. Fiquei irritado porque estava trabalhando, em pleno tribunal, solene em minha toga negra, julgando o destino de dois estranhos.

À noite, dormi um sono sem sonhos, mas a voz estava lá. De novo, insistia: é hora de acordar. Debati-me no sono, irritado com a intromissão. Mas a voz se repetia, a mesma frase, dez, cem vezes...

Acordei e tudo mudara. Não estava mais em minha casa. Minha mulher se fora, meus filhos também. E no espelho do banheiro, um rosto sardento, de um menino de quinze anos, bocejava um resto de noite mal dormida.