AS JANELAS DO TEMPO
Hoje, sem querer, o destino a carregou para lá.
São quarentas anos, pensou, e ele ainda se mantém alí, sóbrio e perdido entre os arranha-céus encardidos... humilhado entre as roupas puídas dos cortiços da avenida.
Parou o carro, olhou para cima, e voltou no tempo.
Nem de longe lembrara-lhe o que fora um dia, não fossem aquela mesma janela, hoje de vidro quebrado, que seus olhos reconheceram de longe, e o movimento de hóspedes pelo seu hall de acesso.
Sentiu um frio na barriga, e a textura da língua daqueles beijos.Parecia ouvir os mesmos sussurros.Taquicardizou.
Mas,alguém apressado,logo gritou:
-Ô dona...tá dormindo,tá? Não enxerga, não?-e outro ainda, com a mão na buzina:
-Ô,psiu!Acorda,Muié!
E ela acordou.Abriu os olhos,depois de mais uma vez degustar o último beijo, e engolir o sal que lhe escorregava pela face.
Com as mãos trêmulas,religou o motor, que qual ela reviveu no tranco,obrigado!... e ambos seguiram pela avenida, rumo a realidade de asfalto...