Ainda cantam as sereias
A ansiedade da pescaria, coisa que não fazia havia vários anos, levou-o a comprar varas e até mesmo minhocas. Tudo preparado, dirigiu-se de carro até o rio, tão conhecido de sua infância, com o entusiasmo talvez mesmo superior ao daquela época. A primeira impressão foi a de nada ter mudado. Havia as árvores, o vento, o rio, ele, e as minhocas. Circunspecto e, pode-se até dizer, feliz, leva o barco ao centro do rio. Anzol lançado e o silêncio. Um breve sussurro e o silêncio. O fio entrava folha de água adentro e atravessava o seu rosto – sulcado pelo tempo. O fio tencionado soa cantilena monótona e anuncia o chamado da sereia. Um acorde soou leve e grave em princípio e num crescente em espiral ao ritmo das ondas se elevou agudo e forte acima do seu ser, como quando o vento entra casa adentro embora tranquem-se as portas. Aí ele mordeu a isca! Como se uma agulha, a música feriu-lhe o olho e fê-lo perceber que ele era outro, ou o rio não era mais o mesmo. Os círculos concêntri-cos da água em volta do anzol desenhavam o alvo em cujo centro estava ele. Como o peixe morde a isca e emerge agonizante à flor da água, veio-lhe a líquida lembrança do seu pai no mesmo rio. Pescava e ele ao lado via-lhe o rosto em meio as ondas. Não sabe por que artes deu-lhe o de-sejo de mergulhar e fê-lo em alegria. Pescaria perdida, volta para casa o pai a censurar-lhe o gesto: “Nem mesmo uma pedra joga-se no rio, os peixes fogem!... E já é tarde, vamos embora!” Embora... ora... pedra... ora... embora... era... A música crescia. Não resistiu a melodia. Sem vo-cação para herói, não lhe ocorreu a cera no ouvido, nem seu conhecimen-to náutico levou-o a pensar em mastros de segurança. Cegado do anzol e atordoado da música das musas dá seu último mergulho, pedra que é e sempre foi.