CICATRIZANDO MINHA ALMA
Acordei gritando mais uma noite. Dara veio em meu socorro, me abraçou e com suas mãos grossas, mas suaves, secou o suor do meu rosto. Meus cabelos grudaram nas minhas costas e pescoço. Com as mãos trêmulas peguei o copo com água e envergonhada não olhei para as ciganas que entraram em minha tenda.
- Logo o dia irá nascer, minha menina. Pegue Mel e vá para o monte da cachoeira... Vá conversar com o Vento, peça-o para que te livre desses pesadelos!... Vá!...
Me vesti e saí.
Assobiei e Mel prontamente aproximou-se da porteira. Coloquei o cabresto, a esteira e montei em minha parceira que já sabia para onde ir. A noite estava fria e as estrelas cintilavam no céu ao redor da lua cheia, que majestosamente em breve daria lugar ao sol. Deitei-me abraçada no pescoço da minha égua, que cavalgava mansamente sobre o solo orvalhado. Adormeci.
Os pássaros em revoada e o barulho da água caindo na cachoeira me despertaram. Foi a primeira vez que assisti a alvorada aqui! Apeei e peguei de dentro do bornal meu bloco e caneta. Sentei-me encostada no tronco desse velho ipê e tento repassar a beleza viva da natureza. Impossível descrever a sinfonia mágica que ouço! A harmonia do céu, pássaros, água, árvores e flores! Tudo é tão perfeito! Não há espaço para lágrimas ou medo!... Sinto-me tão segura!
Chega o Vento... calmo, manso... acaricia meu corpo, embala meus pensamentos... acendo um incenso, outro e outro, enquanto escuto seus ensinamentos. Esse Vento que me fala!... Me ensina, me intui e me dá a certeza que nunca mais terei pesadelos! Esse Vento que me cria, cicatriza minha alma ferida, me fala verdades... que me diz que poderão cortar minhas raízes, açoitar meu corpo, contaminar minha pele, me jogarem ao chão, me arremessarem contra o rochedo... que ainda assim minha essência será inatingível e que sempre, SEMPRE vou estar mais e mais fortalecida.
O dia agora deita por trás das colinas. Monto na Mel e o Vento se vai.
Já não vejo mais a Natureza... Agora ela toda está dentro de mim!...