Histórias de Amores e de Aves
Beatriz me amava, sabia disso por vários motivos, afinal o amor é que nem tempestade, tem seus prenúncios. Mas ele exige uma coisa de nós, uma só, sem a qual ele não existe: reciprocidade. E isso, apesar da amável figura que Beatriz era, não havia, pois o meu rio desaguava em outras curvas, outras feminis formas. Ela se entristecia, eu sentia seu coração palpitando sonetos de Bilac que explodiam em fossas, bossas e outros lirismos.
UM DIA
estávamos os dois na lanchonete, uma dessas onde agora muitas pessoas, você mesmo, podem estar agora lendo esse antitexto absurdo, tentando suprir as carências do espírito enlatado no caos urbano feito um peixe sem mar. Estávamos os dois bebericando um café imerso em eflúvios cheirosos quando Bia pareceu entender, assim, sem mais, simplesmente entendeu, como se tivesse sido varada por uma súbita revelação sem o mental. Um beija-flor surgiu do nada, foi até ela e, num trinado bastante significativo para os que, como eu (e ela também, pelo menos naquele momento), traduzem o idioleto dos pássaros, os dois entraram em entendimento. Seus olhos disseram coisas pra mim, mas quando sua voz tentou verbalizar fluíram apenas minúsculos pedaços de carne de sua boca. Todavia, seu corpo irradiou o insonoro e eu compreendi a língua das tempestades e dos trovões que faíscam sob a pele. Rimos, eu e ela. Ali, emocionada, ela me abraçou, ali, diante de pessoas estranhas que ignoravam o existencialismo, Rilke, Jakobson e as trinta e quatro posições do Kanakula Chaka indiano. Depois ela se foi pisando as migalhas torpes da Lanchonete Fome, onde você não se alimenta, mas come. Ela se foi, saciada de beleza diante de um mundo subnutrido de poesia.
O amor, e foi o que ela entendeu, prescinde do ser amado, pois aquele que ama ama somente o amor, não seu objeto. Ninguém é um objeto de ninguém. O amor ama, somente isso, e ama amar o amor.
Agora, pra entender isso tem-se que aprender a língua dos pássaros. Traduzam-na, se quiserem.