Entre Vôos e Asas
De tanto perseguir vôos de gaivota, certo dia, praia deserta, encontrei uma ave parada num banco de areia, daqueles formados pela maré vazante. Parecia machucada, pois não se importou com a minha presença.
Essa gaivota, espécie comum nas nossas praias, tem coloração branca, com algumas penas negras nas asas. Gosto de vê-las planando ao cair da tarde, pôr-do-sol refletindo em seu peito branco, o alaranjado das nuvens do arrebol.
Peguei-a delicadamente com a intenção de ajudá-la e apesar das tentativas de bicadas, consegui imobilizá-la por alguns segundos.
Que magnífica sensação! Era como se o tempo tivesse parado por alguns instantes e o infinito chegado ao fim. A relação homem-gaivota, terra-vôo, perdeu todo o sentido, num encadeamento sucessivo de idéias anárquicas, como se o verso, repentinamente desagregasse o poema.
Verifiquei que ela aparentemente não tinha nada. Estava apenas atordoada por motivos metafísicos que só as gaivotas entendem. Eu mal entendo do vôo.
Soltei-a. Logo alçou vôo, batendo asas como lenço acenando breve adeus, indo juntar-se a outras asas, no longe, onde habitam as gaivotas, muito além do mar e das nuvens.
Foi a primeira e única vez na vida, que tive o vôo na palma da minha mão.