HIERÓGLIFOS

Ela falava e de sua boca jorravam pássaros, estrelas, flores.


A dama misteriosa que me apareceu em uma manhã de domingo não sabia seu próprio nome, mas dizia prever tudo, qualquer coisa, sobre a vida dos outros. Eu a proibi de falar desses assuntos, mas logo depois de sua chegada, a casa se encheu de curiosos que, surpresos com seus longos discursos, anotavam frenéticos tudo o que ela dizia. Depois, quando iam ler suas anotações, viam que o papel estava repleto de pássaros, estrelas e flores.


Ninguém jamais entendeu o que ela dizia. Com o tempo, esqueceram-se dela e ela, por ter sido esquecida, não mais falou.


Deixei-a ficar em minha casa, acho que me afeiçoei àqueles olhos perdidos. Com o seu silêncio, murcharam as flores que jorraram de sua boca, os pássaros se foram e as estrelas viraram pó. A casa ficou sombria, engolida pelo silêncio.


Pedi que dissesse algo, ao menos de onde viera. Ela sorriu - pela primeira vez - tomou-me as mãos e repousou no meu o seu olhar, como alguém que enfim encontra um caminho. E desapareceu.


Agora, quando falo, jorram de minha boca pássaros, estrelas e flores.

 

E nós, que éramos dois, tornamo-nos um só.