UMA ÉGUA CHAMADA MEL



Mel não foi escolhida por acaso... A cor dos seus pelos era exatamente da cor dos meus cabelos! Eu tenho uma mecha de cabelos brancos sobre a testa desde os treze anos, sinal de família, e Mel tinha um sinal branco também na testa, igual a uma lua crescente... Descobri com o passar dos meses que nossas "semelhanças" não paravam por aí... Adorávamos tomar banho de cachoeira, assistir o por do sol, ver as primeiras de infindáveis estrelinhas surgirem no céu, a lua - linda em seu esplendor! - e de poesias! É verdade! Mel adorava poesias! Zaron me deu um bloco grande, com pautas, e caneta quando lhe disse que gostava de escrever. Assim, todos os finais de tarde, depois que acabava de ajudar as mulheres da colônia em seus afazeres, montava em Mel e íamos para Santa Maria Madalena, um outro vilarejo a uns 15 km de distância. A cachoeira ficava um tanto quanto escondida na mata, no alto da colina. Era um paraíso!
Ensinei Mel a deitar na grama, mas rolar era por conta dela! Às vezes, mal acabava de dar banho nela e escovar, bem escovadinho, seu pelo e crina, ela deitava e rolava na grama, coçando as costas! Nas primeiras vezes fiquei meio chateada, por ter que começar tudo de novo, mas depois só a molhava, deixava ela "fazer a festa" e só então lhe dava um banho de verdade!... Ela era meiga, amiga, cuidadosa comigo, e enquanto escrevia e depois lia me olhava atenta. Definitivamente ela gostava de poesias!
Quando Rodrigo, o ferreiro, escolheu ela para me servir de montaria, a pedido de Dara, disse-me:
- Ela é a sua cara! Tenho certeza que vão se dar muito bem!
Foi amor a primeira vista! Ela era linda! Tinha um galope firme, não trotava - marchava! Em geral só usava esteira e cabresto, sem freio e sem cela. Adorávamos a sensação de liberdade! O vento e a velocidade! Havia uma cumplicidade entre nós!
- Loyane, a Mel está lá na porteira te chamando!
Ou eu estava torrando café, ou debulhando milho, ou pegando lenha, ou não estava fazendo nada, apenas esperando a hora do nosso passeio. Ela chegava na porteira e relinchava escavando o chão: estava me chamando... E eu, ia, claro!...
A primavera havia chegado... Por toda a parte existiam flores das mais variadas cores e perfumes. Aquela tarde poderia ser igual a todas as outras mas sabíamos que não era... A tribo iria embora no dia seguinte e eu teria que voltar para casa... À minha casa! Às minhas origens... Para a minha "civilização"! Fiquei ali parada, olhando todo aquele cenário; memorizando cada detalhe, cada som, cada perfume...! Me vi no reflexo da água... Como havia mudado, como estava diferente! Curtida do sol, cabelos cacheados nas costas e notei, pela primeira vez, que também eu havia florescido! Naquele reflexo ondulante estava a imagem de uma mulher de verdade, de uma guerreira pronta para lutar e vencer qualquer batalha! Não permitiria nunca mais que ninguém me ferisse! Ainda com as lágrimas escorrendo pelo meu rosto e o coração triste com a despedida, consegui sorrir... Estava curada de todas as feridas e as cicatrizes que existiam em minha alma não me deixariam esquecer que o "Ser Humano" é astuto e pouco humano... mas agora eu estava estruturada, fortalecida!...
A noite de lua cheia iluminava nosso caminho... Voltávamos para o acampamento. Mel não tinha pressa e nem eu... O futuro estava lá, a nossa espera...

HERMÍNIA ROHEN
Enviado por HERMÍNIA ROHEN em 14/01/2012
Reeditado em 29/05/2012
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