UM CONTO DE NATAL
Ele não agüenta mais ouvir feliz Natal. É do açougueiro que, outro dia, lhe vendeu chã dizendo que era alcatra. É do jornaleiro que, outro dia, lhe vendeu o jornal faltando o caderno de esportes. É de todo mundo, que nem lhe conhece direito e vem com essa história de feliz Natal. Bando de hipócritas. Chega dessa gente que fica se empurrando dentro das lojas, metendo a mão nas caixas de papelão, escolhendo e sacudindo blusinhas e meias, correndo pro crediário e fazendo conta.
Foi para casa decidido a se trancar, ficar sozinho. Tomou banho, se recostou no sofá e abriu o Tratado Geral dos Chatos do Guilherme Figueiredo; se leu 30 páginas foi muito.
Tocaram a campainha:
--Vovô, vim passar o Natal com você! Trouxe Coca-Cola light e pernil pra nós dois.
Ele se emocionou.
Comeram e conversaram. Ele perguntou pela escola,como iam as aulas de balé e inglês...essas coisas, amenidades.
Perto da meia-noite, a netinha disse que ia embora.
--Vovô, feliz Natal! A mamãe pediu pro senhor emprestar pra ela 500 reais.
Foi lá dentro e apanhou o dinheiro.
Depois que se foi, ele resmungou:
--Que família! Um bando de interesseiros. Vigaristas e safados. Vagabundos.
Voltou a ler o livro.
Ao longe,aquela música chata: Jingle Bells.