UM CONTO DE NATAL

Ele não agüenta mais ouvir feliz Natal. É do açougueiro que, outro dia, lhe vendeu chã dizendo que era alcatra. É do jornaleiro que, outro dia, lhe vendeu o jornal faltando o caderno de esportes. É de todo mundo, que nem lhe conhece direito e vem com essa história de feliz Natal. Bando de hipócritas. Chega dessa gente que fica se empurrando dentro das lojas, metendo a mão nas caixas de papelão, escolhendo e sacudindo blusinhas e meias, correndo pro crediário e fazendo conta.

Foi para casa decidido a se trancar, ficar sozinho. Tomou banho, se recostou no sofá e abriu o Tratado Geral dos Chatos do Guilherme Figueiredo; se leu 30 páginas foi muito.

Tocaram a campainha:

--Vovô, vim passar o Natal com você! Trouxe Coca-Cola light e pernil pra nós dois.

Ele se emocionou.

Comeram e conversaram. Ele perguntou pela escola,como iam as aulas de balé e inglês...essas coisas, amenidades.

Perto da meia-noite, a netinha disse que ia embora.

--Vovô, feliz Natal! A mamãe pediu pro senhor emprestar pra ela 500 reais.

Foi lá dentro e apanhou o dinheiro.

Depois que se foi, ele resmungou:

--Que família! Um bando de interesseiros. Vigaristas e safados. Vagabundos.

Voltou a ler o livro.

Ao longe,aquela música chata: Jingle Bells.

Elysio Lugarinho Netto
Enviado por Elysio Lugarinho Netto em 24/12/2006
Reeditado em 02/01/2010
Código do texto: T327257
Copyright © 2006. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.