Retorno a Inocência

Enquanto as folhas caiam desprendidas pela brisa, vi a morte ceifar-lhe a vida embaixo da velha árvore. A cadeira de rodas tombou. O corpo delicado desgarrou-se sobre as folhas secas e a grama verde orvalhada da manhã.

Reconheço que há muito tempo ela estava doente... (suspiro) Agora o calor do seu corpo é apenas uma benção do sol que vou contemplar por alguns instantes nesse dia que prenuncia a primavera e a saudade.

Ela não verá a renovação do nosso jardim. Por enquanto e, com alguma dificuldade, vou deitar a seu lado. Vou ver em seus olhos pela última vez; vou fechá-los mais uma vez, e beijar ternamente a mulher que sempre amei.

Vejo que o seu rosto esta em paz. Em suas mãos, as últimas palavras estão fracamente escritas e verdadeiras. Retiro a folha amassada de suas mãos e leio:

“Velho, levanta-te! Não se demore a meu lado! Lembra quando éramos jovens e deitamos embaixo desta árvore pela primeira vez? Você prometeu que morreria primeiro que eu. Lembra? Planejamos, rimos, choramos; fomos embora e voltamos. Descobrimos que o tempo é o único dono das verdades. Deus conservou nossas vidas e o tempo nos deu experiência. Vê as marcas mais altas sobre a sua cabeça? Os primeiros riscos na árvore fizemos em um outono. Os riscos do meio são dos nossos filhos. Os riscos mais baixos são ensaiados pelos nossos netos. Alguns riscos perderam o significado... Você quer ficar triste e sentir saudade? Morreria comigo? Levanta-te! Ensina tua neta andar na pequena bicicleta! Ensina teu neto a plantar e fazer um cercado de madeira. Aprenda um pouco quando seu filho tiver tempo para te ensinar. Amanhã, quando o sol bater lá na varanda, não senta pra ver velhas fotos. Vá no parque com as crianças e tire novas fotos com elas. Não sejas ranzinza velho! Não fique sério debatendo com os adultos. É bom que você seja moleque com os moleques; adulto só com os adultos e velho só com os velhos. Vê? Estou em paz! Faça tudo o que precisar fazer de maneira simples. Não desperdice mais suas economias comigo! Continue forte! Não se engane...saiba que aprendi a ser forte com você. O medo que tinha da morte, não tenho mais. Os olhos e a voz que tinha, não tenho mais! O que me resta na mão tremida há duas ou três manhãs, é este papel amassado. O que me basta no coração e no espírito? É a certeza que o nosso amor terreno foi eterno e que o amor eterno me conduz para outro caminho! Levanta-te! Seja feliz! Por que com a benção de Deus, sou grata pela vida que tive! Sou feliz! Levanta-te porque a árvore continua com suas raízes e o único corpo morto aqui é o meu!”

Assista o clipe da música: Return To Innocence - by Enigma

http://youtu.be/Rk_sAHh9s08

RLisboa
Enviado por RLisboa em 09/07/2005
Reeditado em 15/06/2015
Código do texto: T32634
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