O JORNAL DE AMANHÃ
O Extraordinário era um jornal diferente. Ao contrário dos periódicos usuais, que noticiam os fatos ocorridos no dia anterior à sua publicação; e da fantástica rede mundial, a Internet, que nos dá conta do que vai pelo mundo em tempo real, O Extraordinário dava as notícias de amanhã. Isso mesmo, assombrado leitor: O Extraordinário noticiava os fatos antes que acontecessem. Aquilo sim é que se podia chamar furo de reportagem!
Como era de se esperar -em se tratando de um jornal com tais características-, logo após o seu lançamento, O Extraordinário fez estrondoso sucesso, gerando furor junto aos leitores e não pouca preocupação entre os demais periódicos, e até mesmo algumas reclamações nas instâncias competentes. Os leitores, porém, não estavam interessados em reclamações ou concorrência desleal, nem em saber como O Extraordinário conseguia todas aquelas informações antecipadas; mal o jornal chegava às bancas, pequenas multidões o esperavam, disputando quase a tapas cada exemplar.
Entretanto (já dizia o Pregador), como tudo é vaidade e correr atrás do vento e não há nada de novo debaixo do sol, as pessoas começaram a notar que as notícias de amanhã eram a monótona repetição de fatos ocorridos ontem, anteontem, na semana passada, no mês passado, no... Enfim, você entendeu. Percebeu-se que, na verdade, tudo que amanhã aconteceria já havia acontecido um dia; apenas mudavam-se o local e os atores dos acontecimentos desta misteriosa trama de eventos concatenados a que convencionou-se chamar vida.
Além disso -e isto sim é que foram elas-, O Extraordinário começou a causar tremendos inconvenientes a muitos cidadãos de bem, pagadores de impostos e cumpridores de suas obrigações cívicas e tal. É que o jornal, além das matérias sobre política internacional, economia, programação dos cinemas e resultados dos campeonatos de futebol e demais certames, noticiava também -inicialmente, só quem reparou foi o Fabrício de Victa Reis, aquele meu amigo que adora ler este tipo de anúncios- as mortes do dia seguinte, e você pode imaginar os transtornos que tais notícias causavam no seio da sociedade. Basta pensar que uma família planeja cuidadosamente aquela tão esperada viagem de férias e, ao folhear o jornal em busca da previsão do tempo, se depara com a notícia da morte do patriarca, e lá se vai a viagem por água abaixo, e tome reclamação nas instâncias competentes...
Pouco a pouco, as pessoas foram percebendo que, afinal de contas, podia não ser assim tão bom negócio ter conhecimento sobre o que aconteceria no dia seguinte.
O Extraordinário fechou depois de algum tempo. Já não tinha mais leitores.