GRADES

Nesta noite, sonhei um sonho utópico, um pouco diferente dos demais.

Sonhei com a liberdade.

Desatei as amarras das minhas correntes invisíveis, e ao observá-las rompidas, percebi um “não sei quê” meio meu, como se tivesse arrebentado a mim mesma.

Reconheci tantos antigos desejos, sorrateiramente transformados em amarras, tantas grades construídas pelas minhas mãos, que me entendi prisioneira de mim.

Jaziam ao chão, as correntes dos meus amores, das minhas ilusões, dos meus preconceitos, das minhas falsas crenças, das minhas equivocadas necessidades.

Entreolhavam-me todos assustados, e sinalizavam-me com a permissão passiva e zombeteira:

-Vá...pode ir!

Mas relutantemente... parei no caminho.

Sempre ouvi dizer, que o pior castigo do Homem poderia ser a conquista da liberdade.

Deveras..talvez por isto necessitemos tanto atar nossas próprias correntes invisíveis.

Senti-me ancorada à minha grade, propositalmente sem bússola, debatendo-me às tempestades, rogando apenas por brisas...qual um barco que necessita, mas não consegue largar o cais.

E então, igualmente ao paradoxo de todos os sonhos, recolhi todos os cacos das correntes, e resolvi me trancar para todo o sempre.

Ao despertar, percebi que acordara do mais efêmero e irreal dos meus sonhos, para continuar adormecida no meu eterno e real pesadelo.

PUBLICADO NA EDIÇÃO MENSAL DA SOBRAMES SÃO PAULO.

SP,20/03/2006