Criatura
Estava o jovem em sua casa, pensando na vida simples, comodista e patética que ele sempre levara. Como queria ele que aquele tédio todo acabasse, que toda sua vida mudasse, que alguém pudesse lhe estender a mão e levá-lo em frente às portas da liberdade daquele apartamento imundo, daquela vida infame, mas de súbito tudo o que sentira era dor e sofrimento, sentia como se sua alma estivesse sendo roubada.
De repente uma sombra negra o envolvia e crescia mais, o jovem olhou espantado, nunca em seus dezesseis anos de vida vira coisa tão macabra. Ele se levantou rapidamente do sofá e viu a esguia forma nebulosa da sombra viva, esta que parecia ser uma criatura estranha.
"Um demônio?" - pensou ele, mas nem ao menos cheiro de enxofre aquela nuvem negra emanava.
A sombra se aproximava e quanto mais perto ela chegava mais fraco o jovem ficava, mais rancor ele sentia, mais triste parecia, ele sentia como se a criatura devorasse seus sentimentos bons e enfraquecê-lo com isso. O jovem começou a correr pela sala, foi para seu quarto tentado se refugiar e trancou a porta, sentou na cama e recostou-se contra a parede esperando o que no fundo ele sabia que iria acontecer.
Apenas segundos depois se ouvia um zumbido, como o de vento que passa pela fresta de portas, e a criatura fazia exatamente isso, recompondo-se aos poucos na medida que entrava no quarto.
"M-mas o que é esta criatura... E o que ela quer?" - eram as únicas coisas que ele pensava.
Enquanto isso a criatura se aproximava dele novamente, teve apenas uma idéia.
Esperou a criatura chegar o mais próximo possível dele e quando ela estava à distância de um toque, ele correu em disparada por dentro da obscura forma enevoada. Depois da passagem forçada ele sentiu uma dor interior que fez com que ele obrigatoriamente caísse no chão, começando a se revirar com essa dor se concentrando em seu peito esquerdo, uma dor estranha, porém familiar como de uma solidão intensa. Lembrou da morte de seus pais no acidente de carro que os havia levado e sentiu toda a amargura do momento voltar.
A cada centímetro que a criatura se aproximava mais fraco o jovem ficava e quando ela chegou, novamente, à distância de um toque, começou a “penetrar” dentro do corpo do jovem pelos seus olhos, narinas e boca, parecia estar possuindo ele.
O jovem nem se contorcia e lutava, mas não tinha mais forças, apenas cedia à criatura toda sua energia. A criatura, após alguns minutos conseguiu penetrar por completo na alma do jovem sumindo e incorporando nele. Sua face agora tinha profundas olheiras, uma expressão triste e sombria lhe pairava de uma forma que qualquer pessoa que o visse naquele momento sentiria pontadas n'alma, como se sentisse as chagas do jovem.
Com todo sofrimento de uma vida acumulada em frações de segundos, o jovem dominado esticava seus braços se esgueirando até a cozinha. Apesar de possuído parecia ainda lutar, mas em vão. Chegando na cozinha já com lágrimas escorrendo por sua face, ele esticou seu braço até a gaveta de facas pegando uma delas e por fim cortando seus pulsos. A dor que sentira no momento era quase insignificante, pois a dor de sua alma era grande demais para que um “simples” corte como aquele pudesse superar.
O sangue se esvaia aos poucos, e a mistura da dor dos pulsos, da dor da alma, em comunhão da dor da solidão davam um ar poético para a cena. Aos poucos seus olhos ficaram pesados, e com o que lhe restava da consciência o jovem perguntou com esforço:
- Quem é você?
Em resposta uma voz rouca e sinistra saiu da própria boca do jovem:
- Depressão...
Assim o jovem fechou seus olhos para que nunca mais os abrisse por vontade própria.
Fim.