O capo a matrona.

O Capo e a Matrona

Punha-me à cabeceira da mesa aos domingos, e, após umas cervejas ,

éra o capo de verdade. Maldades e sentimentos não faltavam...

Di cosa nostra, mesmo...

Faltava, é verdade, o vinho, dos italianos, dos franceses, para

os judeus, para os cosmopolitas, para um mundo de todos esses...

Tudo na hora do almoço. É quando o capo esbalda-se. São momentos

especiais, sagrados, de culto, de ritos, de muito, de risos.

E, havia fartura nesses dias, algo de amargura, também.

Havia pensamentos que davam êxtase e entusiasmo.

Ansiava por ordenanças às voltas, com mini-metralhadoras escondidas,

alguns feitos bobos de uma corte.

Pela janela podia ver os trens internacionais que vinham de

Montevideo, podia o mundo com eles, as revistas, os jornais, as

notícias de Al Capone...

A corte do capo precisava de asseclas que lhe ouvissem,

não a matrona, asseclas, personangens de seus sonhos, outros,

outras...

Precisavam ser passageiros de um trem anilado, de máquina francesa,

precisavam ter mantas de marta, lenços na lapela e piteiras aos

montes.

O capo velava seu próprio respeito, fazia-se presente. Entre um

copo e outro poderia assinar uma sentença, de morte, talvez apenas

de mutilação, talvez apenas para assustar a mamma.

E, correndo em volta da mesa, com afazeres de cozinha, ela,

a matrona, que pensava verdadeira, derivando às voltas do mobiliário

seboso, atirando panos por sobre tudo, sorrindo e gritando aos

filhos, alcançando-os aos berros.

Valendo-se dos esganiçados, grandes em sua menopausa, porque a

matrona não conhece a idade da loba.

Só há tempo para seu poderio, seus berros agudizados, suas instabili-

dades à competir com as do capo.

A matrona é mamma perfeita, digna, acolhedora, assustadora. Adora

exercer influência, mas, sempre preserva as autonomias do capo. Ela

adora assinar cheques, mas, é burra, amealha à um baú algumas barras

de ouro e dólares em espécie. Ela pensa entender de economia, sabe

fazer economias, mas, é burra para a matéria.

Na juventude, quando lhe havia tempo, este, que é dinheiro, namorava

uns em busca de outros que não lhe apareciam, uns lhe fugiam pelas

mãos, outros tantos temiam-na e dela escapavam.

Nessa época a mamma ficou louca e neurótica , jurou vinganças

para si propria e conjurou-se em eleger um martírio para os seus.

Casou-se com um pequeno e burro judeu. O judeuzinho era incapaz das

maldades moreno-ibéricas.Dava esmolas, não poupava nem gostava de ouro,

amparava a espiritualidade e a morte para sua hora, que éra seu dia,

seus dias.

Ávida por prosperidade, a mamma empilhava e assentava tijolos, tolhia

minusculas pedras d`areia para zuar, envenenar e enlouquecer-se.

Já na acepção completa das neuroses, pensou destronar o capo,tomou-lhe

sua pistola 320, humilhou-lhe e, na peia de suas retóricas falou que

iria se infiltrar no MST para virar fazendeira.

O trem nunca mais passou, venderam as estradas de ferro, não há mais

guerras como antes, Al Capone foi capturado faz muito tempo e só agora

a mamma descobriu que o mesmo MST é aquele que invade as fazendas dos

ricos.

O capo, ainda devaneia pela janela, espera o trem anilado.

Mamma, finalmente parou para pensar na vida.

Vivem ressentidos, os dois.

Vivem na verdade, dos domingos, que vão e vem.

teobaldomesquita@uol.com.br

Teobaldo Mesquita
Enviado por Teobaldo Mesquita em 04/12/2006
Reeditado em 05/12/2006
Código do texto: T309525