FRAGMENTAÇÃO

viajei...coloquei-me à frente da imensidão dos seres e das coisas. caí...

estupidamente desabei. Meu corpo na queda abraçou o vazio e choquei-me ruidosamente com a dura realidade.

Repartida em mil pedaços amontoei-me no vale estreito da decepção.

Ei, você que vai passando, não faça cerimônia... adiante seus pés revestido com pelicas estrangeiras e chute com desdém meus reles pedaços... você também distinto senhor, troque de mão a pasta; esqueça as cifras em sua sala ornamentada com carpete, a sola de seus sapatos sem estar gasta moerá mais fácil meus restos espalhados.

Um certo estilhaço de mim acomodou-se tristonho em um beco escuro; uma rua sem brio, sem luz, sem muro. Lá, na passarela do pecado. Entre as rachaduras das calçadas, os saltos finos passavam barulhentos e as gargalhadas perdiam-se entre as paredes, confundindo-se com o cantar triste dos marinheiros, que trazem na voz, toda a leveza das ondas e a tristeza fatal de uma despedida.

Vi naves em fausto ruir sob o egoísmo daqueles que falam mas não sentem.

Crianças crescendo em orfandade, a mais cruel de todas as vilezas; aquelas, que se tiveram famílias não recordam porque não são lembradas e mexem com torpedos de brinquedo enganando e crescendo enganadas.

Caminharam os resquícios fragmentados do meu corpo tombado, por vielas, verdadeiras sendas dos condenados; onde fétidas carcaças jaziam em hospitais, e, embora guardadas pelas asas negras da morte, seus olhos opacos difundiam uma luz sem brilho de longínqua esperança.

Um pedaço de mim fitou até às lágrimas o purgatório da terra indo rolar de encontro aos gradís de uma prisão. Prisão de seres que fracassaram nos seus intentos. Seres que no ato final julgaram-se gênios, infalíveis como eu. As barras de ferro na horizontal separavam-lhe do mundo. olhos abertos parados em um ponto fixo da liberdade lá fora. Narizes sem olfato farejavam apreensivos muitos amanhãs que nunca chegavam, pois, os dias para os condenados têm quarenta e oito horas de solidão e cinqüenta de desespero. Ficaram ali, no submundo emperrados, como velhas embarcações encalhadas nos arrecifes da vida esperando o acaso para livrá-las das amarras, para sem rumo voltar à deriva, até que afundem de vez. São criminosos, meliantes, inocentes talvez.

uma quantidade imensa de pés passaram por mim: pés que andavam apressados...para onde? não sei! pés que corriam sem cautela... fugindo de quem? do marido? da amante? da polícia? do cobrador? ou alguém com receio da morte? Pés vagarosos, displicentes, passeando sem pressa para um amor inocente. Pés pisando forte; como alguém com uma determinação firme, um executivo em dias áureos, de cima até em baixo só idéias, e idéias brilhantes; para investir, lucrar, trapacear, massacrar, escravizar...num afã de ambição constante. Pés tímidos calcando mais na frente do que atrás, esse pisar não me engana, é do operário... o ressoar de seus passos demonstram que ele é sofrido e submisso. A fraqueza de seu corpo e o cansaço de seu cérebro confuso o impedem de lutar...

Rolei por ladeiras pedregosas ouvindo gritos de socorro, de aflição, de alegria, de emoção e eu só. A solidão entre os berros juntou todos os meus pedaços e eu tornei-me novamente gente. Porque me encontro sempre sozinha? Eu, que pensei ser esperta, só porque fui o espermatozoide mais ligeiro... eu, que no momento da fecundação fui mais sabida, pois consegui passar à frente e atingir o óvulo, e o óvulo maduro deu-me vida... naquele instante, eu também tinha tudo em jogo e venci. Sendo assim, tudo continua igual; o mundo uma imensa barriga, nós os espermatozoides na corrida agitada deixando os que tombam pelo caminho e querendo, acima de tudo, ser aquele que será fecundado... pela sorte, pelo mundo; porém, sabemos que nossa fecundação se esfrangalha, se estremece e se dissolve, quando a inexorável morte bate-nos o cutelo.

Rose Arouck
Enviado por Rose Arouck em 04/12/2006
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