A moça que passou no Fórum Cível

Era um dia daqueles em que as marcas dos dentes do tempo são evidentes e em que os sorrisos amarelos são abundantes.Um dia daqueles em que eu me considero curado de minhas tendências insanas, mas acabo percebendo que sou, de fato, louco.Melhor.Antes o feérico e irrisado disparate do que a cinzenta e entediante sanidade.”Senta aí para falarmos sozinhos e bebermos nosso vinho”, é o que eu digo quando brota-me essa epifania.E sentado naquelas cadeiras cinzentas do Fórum Cível, aguardando uma audiência, eu o fiz.O cliente havia se atrasado e, a seguir, eu teria de imitar um palhaço interpretando a falsidade de um ator à um magistrado cujos fetiches eram profanos demais até para mim.Algo relacionando a autosodomia, eu diria(o ego do indivíduo em questão não poderia me fazer pensar diferente: creio que um espelho era requisito sine qua non para suas diárias práticas onanistas).

Não havia consolo ao desconforto confortável, à tristeza comoda que eu sentia ali, pelo menos eu achava assim.

Até que a avistei.Os quadris eram tão inebriantes que me causavam náuseas com seus ligeiros e discretos movimentos.Cabelo louro-orgasmo, olhos castanho-desejo.”Olhe para cá, por favor”.Passou com vento de aroma-luxúria.Ela era arte encarnada e eu o artista decadente.

Decadente por não importar o quanto eu me esforçe, jamais poderei retratar a beleza esculpida de movimentos joviais e quiçá inocentes de feminilidade, mas culpados de erotismo intrínseco.

As décadas de minha vida desapareceram como naufrágos e, out of the blue, voltei a crer no amor e na possibilidade dele ser algo diferente de um instrumento de manipulação.Lembrei-me que não era mais o boêmio político, sempre pronto à um meretrício com alguém importante.Lembrei-me que havia encontrado o motivo, o sentido da vida.

Sartre, Nietszche, Aristóteles, Platão, Spinoza, Kant, Hegel, Schoppenhauer, todos eles tentaram.Eu havia conseguido.Dando sentido aos outros, eu havia encontrado o meu. Naqueles olhos joviais, relembrei-me disso.

E como ela olhou para mim!Olhos de fogo, quase desenhados da mão de algum nipônico genial em suas produções artísticas.Os cabelos d’ouro cortados curtos, cubrindo-lhe parte da face alva cuja tez lembrava-me pureza pleonastica.Pleonastica por que a sensualidade feroz gritava.Ela olhou e olhou.E como quem foge de um conhecido desapegado, indesejável, continuou.Levou consigo parte de minh’alma, presente humilde que lhe dei.Eis aqui o retrato dele.

Mais tarde, me vi nos braços doutra.De muitas outras.Eu já não fumo mais e a bebida não me apetece tanto.Por isso – ao contrário de hábitos antigos – basta-me sair à minha janela fria, enquanto a dama ainda se contorce em meu leito e pensar fundo em mim mesmo “Não adianta.Ela não é a moça que passou no Fórum Cível”.