O Guarda-Noturno e a "Dona" (monólogo para teatro)

Uma praça, uma estátua feminina cercada de flores, a ronda do guarda-noturno.

-- Não sou boêmio, mas vago pelas noites à dentro, numa vigilia sem fim... -- Ai dos meus cuidados! Se alguma coisa acontece e eu não dou conta do recado, a minha consciência logo me recrimina: - "Como foi que você deixou passar isto? Assaltaram a casa debaixo do seu nariz e você nem viu, nem deu sinal com o apito!"... -É "dona", a gente tem "dias de cão, mesmo! Acho que isso acontece com todo mundo, não é? -- Às vezes, invejo essas pessoas que frequentam os bares e clubes noturnos, onde vão bebericarem, dançarem, cantarem e fazer coisas que não ouso confessar. Mas qual? Também a vida delas tem seus "avêssos", porque até me parecem, umas vezes, meio-felizes, outras vezes, meio-infelizes, sei lá! E depois não deixariam seu lares para vir se meter, quantas vezes, nesta confusão aqui da cidade grande? Pois para mim, nada melhor do que o lar.

-- É lá que se edifica a família. Digo isto porque fui criado em um orfanato. Assistido por uns, abandonados por outros, na maioria das vezes, solitário, outras apenas rodeado de crianças sujas, chorosas e tristes. -- Olha, só não me tornei marginal porque tive a sorte de ser amparado por uma família verdadeira, família muito modesta, mas distinta, que me deu uma boa educação e algum estudo. Pelo menos tenho o curso primário completo e já a metade do gráu supletivo. -- Só que tive que abandonar os estudos para trabalhar cedo. Tenho que continuar ajudando a família, pois não sou mal-agradecido. O meu pai emprestado já faleceu há alguns anos e a minha mãe tem outros filhos para cuidar. Bem, lá vou eu continuar a minha ronda! Até mais tarde, oh, dona!

-- Humm! Ouvi um ruído no sobrado, alí na esquina! Acho que deve ser ladrão. Vou ver! Hei! Você aí! O que está fazendo? Saia já daí! Vamos! Pare! Pare! O danado é teimoso. Atiro ou não atiro? Quem poderá ser? Vou atirar para o alto! PUM! PUM! Pronto! Lá se foi ele. Fugiu! -- A vizinhança já está toda na janela! Ainda bem! Agora todos podem ver que há alguém aqui para protegê-los. E também podem provar que dou conta do recado! É, mas o ladrão fugiu! Não deu prá ver qual era o tipo dele! Se branco ou preto, gordo ou magro, alto ou baixo. Ele fugiu na escuridão da noite! Mas da próxima vez hei de saber!... Mas... volto para a praça. Vou falar disto com a minha "dona". Essa sim, sabe ouvir calada e está sempre calma, parece que entende melhor do que qualquer pessoa, tudo que lhe digo.

-- Como vai minha "dona" ? Viu o que aconteceu? Quando eu dava ronda em volta da praça, houve um assalto, isto é, quase um assalto no sobrado da esquina, mas este eu não deixei passar...Ah! "Dona" ! Nada lhe perturba, nem frio, nem calor, nem o vento, nem a chuva. Essa, pelo menos, afasta os mendigos e cachorrinhos que vêm urinar aqui perto. Graças a Deus que este canteiro é cercado de flores! É por isso que gosto de fazer ronda nesta praça, mesmo durante a noite, sinto o perfume das flores. E também para conversar com a minha "dona". Não sei porque, quando estou aquí conversando com a senhora, sinto uma tranquilidade, só perturbada mesmo, quando os malandros rondam por aqui e tenho que cumprir o meu dever. -- Êpa! Vejo um vulto, hei! alto lá! Quem está aí? PUM.PUM.PUM (ouve-se tiros). Ai, "dona" , me acertaram! Sinto que vou cair, "dona". Será que voltaremos a nos ver?... (Silêncio)

"-- Dona, dona" Oh! Minha dona! A senhora sorriu para mim! E me falou! Mas o que acontece? Estou cá em cima e me vejo lá em baixo estirado no chão junto aos seu pés! h! Agora compreendo! Foi aquele ladrãozinho que quiz se vingar! Pobre coitado! É talvez um infeliz! Agora estou compreendendo tudo! Agora sei quem é a Senhora!

"-- A Senhora me salvou! E estou feliz por não ter atirado no marginal! Algum dia ele irá compreender também todas essas coisas... Quando, não sei... mas esse dia chegará, não é?... Mas, que bom! Agora podemos conversar de verdade, não é, "Dona" ?

(Explicação: monólogo do guarda-noturno diante da estátua de N. Senhora

(adaptação para teatro, em monólogo, sons e ruídos, à parte)

Victoria Magna
Enviado por Victoria Magna em 02/07/2005
Reeditado em 02/07/2005
Código do texto: T30319