Miniconto n.52
Afinal o encontro tão esperado estava marcado. Sexta-feira, às 19 horas. Ela contara que era quase ruiva, baixinha e tinha um corpo normal - fosse lá o que isso fosse atualmente, pois era sempre tão tirânica a moda! Nada tinha de especial. Bem depressa ele dissera que também era meio comum/meio baixo/meio narigudo/meio barrigudinho/meio míope/meio careca/meio gago/meio palhaço - assim como quase todos os homens na faixa etária dos cinquenta. Tinha ela algum tipo de preconceito? - ele quis saber, rindo.
- Hummmm... não que eu saiba - e ela também ria ao telefone diante do quadro brincalhão e ambíguo que ele fizera de si memo.
O dia todo pensara no que ele dissera. Não parecia muito promissor, na verdade. Mas havia sido sincero, pelo menos. É que todos, na net, pareciam sempre tão semideuses - lindos como Brad Pitt ou Jolie e inteligentes como algum filósofo famoso. Ninguém tinha espinhas, tpm, tantos pelos a arrancar diariamente, joanetes, pneuzinhos, cabelos encaracolados ou falta deles, e mais: ninguém tinha dívidas, dúvidas, medos, nem problemas sérios ... pior: ainda esperavam muito dos seus possíveis parceiros. Que tolice enganar-se assim e enganar os outros, posto que, um dia, a verdade vem à tona - ela sempre vem. Era assim que a solidão dominava tanto o mundo atual!
...
Chovera o dia todo e, nervosa, ela fez um café, ligou o computador desejando ficar ali para sempre. Não enfrentar nada, não tentar modificar sua vidinha solitária mas confortável. Não se envolver muito na vida real outra vez. Ah, não iria! ... Estava cansada de iludir-se e depois perceber novamente que as pessoas jamais correspondiam às nossas mínimas expectativas, e não só fisicamente, mas em tudo - e por tudo.
Esse já era o quarto encontro (nascido na internet) que ia ter, e sempre se dizia que não repetiria a dose. A chuva aumentou e o relógio soou 18h. Não vou. Não! Desligou tudo quando um raio caiu perto da casa, mas às 18h55 ela abriu a porta, de repente, e saiu correndo na chuva, pensando:
- Ai, meu Deus, quem sabe esse possa dar certo?!
...
Ele estava lá! E não só observou que ela tinha mais idade do que desejara que tivesse, esquecido de sua própria maturidade, como também que era uma mulher do tipo renascentista, fora dos padrões magérrimos da moda. Hesitou, meio decepcionado, e imaginou se aquilo iria dar certo.
Mas, ao vê-la sorrir mesmo toda molhada, percebeu que era encantadora, sim, com o charme e a doçura que só uma boa plenitude confere. Ali, do café quente que tomaram juntos e até hoje, cinco anos rolaram sobre as alianças - que ainda brilham felizes no dedo de cada um deles, sob o sol de todas as manhãs, pois jamais eles se deixaram desde o primeiro encontro, tendo surgido um elo verdadeiro - para além das meras aparências.
Silvia Regina Costa Lima
outubro de 2009
Leia também minhas demais versões para esses 'encontros virtuais' :
'Sonho Virtual': http://www.recantodasletras.com.br/microcontos/1698837
'Na Pele' - http://www.recantodasletras.com.br/microcontos/1461678 .
Afinal o encontro tão esperado estava marcado. Sexta-feira, às 19 horas. Ela contara que era quase ruiva, baixinha e tinha um corpo normal - fosse lá o que isso fosse atualmente, pois era sempre tão tirânica a moda! Nada tinha de especial. Bem depressa ele dissera que também era meio comum/meio baixo/meio narigudo/meio barrigudinho/meio míope/meio careca/meio gago/meio palhaço - assim como quase todos os homens na faixa etária dos cinquenta. Tinha ela algum tipo de preconceito? - ele quis saber, rindo.
- Hummmm... não que eu saiba - e ela também ria ao telefone diante do quadro brincalhão e ambíguo que ele fizera de si memo.
O dia todo pensara no que ele dissera. Não parecia muito promissor, na verdade. Mas havia sido sincero, pelo menos. É que todos, na net, pareciam sempre tão semideuses - lindos como Brad Pitt ou Jolie e inteligentes como algum filósofo famoso. Ninguém tinha espinhas, tpm, tantos pelos a arrancar diariamente, joanetes, pneuzinhos, cabelos encaracolados ou falta deles, e mais: ninguém tinha dívidas, dúvidas, medos, nem problemas sérios ... pior: ainda esperavam muito dos seus possíveis parceiros. Que tolice enganar-se assim e enganar os outros, posto que, um dia, a verdade vem à tona - ela sempre vem. Era assim que a solidão dominava tanto o mundo atual!
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Chovera o dia todo e, nervosa, ela fez um café, ligou o computador desejando ficar ali para sempre. Não enfrentar nada, não tentar modificar sua vidinha solitária mas confortável. Não se envolver muito na vida real outra vez. Ah, não iria! ... Estava cansada de iludir-se e depois perceber novamente que as pessoas jamais correspondiam às nossas mínimas expectativas, e não só fisicamente, mas em tudo - e por tudo.
Esse já era o quarto encontro (nascido na internet) que ia ter, e sempre se dizia que não repetiria a dose. A chuva aumentou e o relógio soou 18h. Não vou. Não! Desligou tudo quando um raio caiu perto da casa, mas às 18h55 ela abriu a porta, de repente, e saiu correndo na chuva, pensando:
- Ai, meu Deus, quem sabe esse possa dar certo?!
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Ele estava lá! E não só observou que ela tinha mais idade do que desejara que tivesse, esquecido de sua própria maturidade, como também que era uma mulher do tipo renascentista, fora dos padrões magérrimos da moda. Hesitou, meio decepcionado, e imaginou se aquilo iria dar certo.
Mas, ao vê-la sorrir mesmo toda molhada, percebeu que era encantadora, sim, com o charme e a doçura que só uma boa plenitude confere. Ali, do café quente que tomaram juntos e até hoje, cinco anos rolaram sobre as alianças - que ainda brilham felizes no dedo de cada um deles, sob o sol de todas as manhãs, pois jamais eles se deixaram desde o primeiro encontro, tendo surgido um elo verdadeiro - para além das meras aparências.
Silvia Regina Costa Lima
outubro de 2009
Leia também minhas demais versões para esses 'encontros virtuais' :
'Sonho Virtual': http://www.recantodasletras.com.br/microcontos/1698837
'Na Pele' - http://www.recantodasletras.com.br/microcontos/1461678 .