COBRA ENGOLINDO COBRA
O locutor se esbanguela castigando no erre:
- Alôrrrrrrrrr, alôrrrrrrrr, a disputa tá pegano fogo. Quem sererá a rainha? Do partido Verde, do Partido Encarnado? E lá se ia propagandeando a venda dos alfinetes aborboletados com lacinhos nas cores dos respectivos rivais, em benefício da igrejinha que armava todos os anos a quermessezinha, uma forma de tirar, sem dor, os poucos quaraminguás daquela comunidade que rifava a sua alma trocando a salvação por umas fatias de pão redondo. O velho caipira estava de olho no caneco feito de lata de leite condensado que balançava cadenciadamente na mão do dono da mesa de bozó. O menino aperreava:
- Paiê, eu quero chupá gelo colorido.
- Quandi a gente fô simbora, respondeu o velho sem tirar os olhos dos requebros da lata nas mãos do banqueiro de pé de areia.
- Quem casô, casô. Quem num casô num casa mais, disse o bozózeiro plantando a lata no canto da mesa, com o dado dentro da lata chocalhando feito cobra cascavel.
O matuto põe cinquenta reais no piu. A macacada ao redor da mesa abotecou os olhos em cima do beiradeiro. O filho deu um puxão no cós de sua calça. Seu rosto não moveu um músculo.
- Vou alevantá, vou alevantá, grita o banqueiro erguendo a lata de sopetão e o número seis revelando-se, abrindo e fechando caras. O velho sai carregando o menino pelo braço.
- Pai, o dado é falso, só dá piu e seis.
- Eu sei, meu fi. A séda tomém é. É de duas cabêça, responde o camponês, levando o menino pra chupar gelo...