As mãos
Mal tocam o papel e os dedos firmes, com destino certeiro vão construindo formas lexicais completas, às vezes cansadas. Na lógica e no cálculo trabalham com muito mais voracidade que o desejo do deserto pelo rio. Os leitos são construídos cada vez mais largos e densos.
Já cansadas e calejadas. Unhas carregadas por grossas cascas. Vaidade esquecida em longas horas com o grafite e papel, esquecidas, mas cheias de desejos.
No vai e vem do dia a dia, na escola, no ônibus, nas lojas, são comparadas às outras belas, lisas, brilhantes, macias e vaidosas.
Calos rijos causam transtorno, vergonha e às vezes escondem-se nos bolsos, na timidez.
O simples criar já não é mais causa de prazer e sim angústia, desespero.
Olham-se no espelho da alma e o que já produziram? Sulcos do tempo e calos explícitos contam sua própria história.
Os pés, que mal saíram do lugar, descansaram, vendo-as trabalhar, agora em sagaz velocidade caminham rumo ao porão, os mesmos, quase inúteis chutam a porta.
As mãos, “as mãos” puxam a corda. A guilhotina enferrujada cai. E da boca, que mal produziu algum som, ouve-se um grito.