A COR DA NOITE

Quando eu era adolescente, minha professora de Arte falou (se bem me lembro!) que o branco era a reunião de todas as cores, e que o preto era justamente a ausência delas.

Para mim, naquele momento, aquilo não fez a menor diferença: eu não gostava de Arte, não gostava daquela professora, eu não gostava de nada!

Anos mais tarde, já adulto, me tornei um espécime da noite. Do preto da noite. Curtia as aventuras e os pecados, os mistérios... e o que mais se pode imaginar!

Aqui entra em cena a minha antiga professora. Quando a vi no bar, não tive logo a certeza se era ela mesma ou não. Estava velha e feia, e bebia sozinha ao pé do balcão. Me aproximei, fiquei observando por algum tempo, então falei:

– Dona Carmem?

Ele me olhou surpresa, e bastante séria:

– Quem é você?

– Fui seu aluno no sexto ano...

– É?

– A senhora dava arte. Falava de Van Gogh, das cores...

Ela bebeu uma dose.

– A senhora lembra de mim?

Ela respondeu com ironia:

– Olha, se eu fosse me lembrar de cada aluno que eu tive!

E lascou uma gargalhada ferina bem no meio da minha testa...

Completamente sem graça – o bar estava cheio, muitas pessoas ficaram me olhando – fui para o outro lado do balcão e pedi uma cerveja. Bebi o mais rápido que pude, vez por outra olhando de relance para a megera, e cego de fúria saí do bar.

Fiquei esperando.

Quando a professora, meio trôpega, deixou o bar, eu a segui pela calçada.

Num trecho escuro, agarrei-a por trás e sussurrei em seu ouvido:

– A senhora não lembra mesmo de mim? Do seu aluninho?

– Não...

– Tem certeza, vagabunda?

– Tenho...

Disparei duas vezes, para ela aprender a lição.

Hélio Sena
Enviado por Hélio Sena em 05/02/2011
Reeditado em 07/02/2011
Código do texto: T2773150