Santa
Em frente ao espelho, ela era a mais importante de todas. Curvou-se para alcançar um a um de seus minúsculos e delicados dedos. Naquele momento, era a artista plástica de sua própria beleza. Telefone tocava. Campainha soava. Cachorros latiam. Não havia harmonia naquela orquestra, em que cada ser (vivo ou não) emitia seus sonoros ares, para aperfeiçoar ainda mais aquele instante poético pelo qual Silvinha passava. Não era apenas 1,81m de altura, mas um conjunto de repletas perfeições. Ao desfazer-se da posição em que se encontrava, após delinear cada borboleta em suas unhas, mirou-se no espelho e disse "Agora é sua vez, olhos". Cada parte daquela escultura refletida acarretava numa conversa singela. Dizia Silvinha que cada vez que uma parte de seu corpo recebe a atenção devida, ela responde com uma perfeição vista dos olhos transeuntes. E isso incluía conversar com elas. Olhos, boca, nariz, cabelos, pés, orelhas, tudo, tudo merecia atenção. Cada parte do vestuário que lhe servia, parecia a neve, de uma noite de Natal americano, caindo sobre as árvores luminosas das esquinas de Nova Iorque. E quando o sapato esquerdo lhe calçava, erguia-se vagarosamente até olhar-se por inteira num refletor mais distante. Retornou à aquarela e escolheu com toda sua intuição o mais perfeito perfume para aquela ocasião. E ao unir, inúmeras vezes, os lábios até encontrar a marca perfeita do batom, tomou a bolsa, foi até "santa Madonna" e acendeu uma vela dizendo: "Minha santa Madonna, sei que ainda não foste canonizada, mas com você posso contar neste mundo preconceituoso, no qual nem em santo católico podemos confiar, mas em você eu acredito e sei que nesta noite serei amparada por ti. Eu, Silvinha Figueroa, sou grata por permitir tamanha beleza em meu ser. Hoje, a diversão será total. Vamos ver quantos canalhas idiotas vão querer conferir de perto, bem de perto. Amém".