TIROL

Aconteceu numa fazenda, lá pras bandas do sul, bem no finzinho do mapa. Era lá que vivia um cavalo chamado Tirol.

Trabalhava ali desde potro, e tinha orgulho do que fazia.

Sua pelagem bem tratada brilhava tanto, que causava até inveja. Tinha alguns amigos, porém os mais chegados eram, o bode Pirata e o burro Chuvisco.

Corria sempre a toda brida, sugando o vento frio ou morno através de suas largas ventas.

Mas já não aceitava o par de rosetas e a vara de marmelo que lhe fustigavam o couro.

Um dia, exausto da lida e daquela vidinha quadrada em que vivia, comentou com seus amigos, o que estava passando e o que pretendia fazer.

- Mas qual é a sua estratégia? Perguntou Chuvisco, sempre mastigando.

-Olha! Se eu pisar de modo infausto, apenas um sutil resvalo, terminaria o meu asco, a esse que há muito, trago montado. Ele rolaria penhasco abaixo e eu seria então livre. Um homem livre, digo, um cavalo livre.

-Não sei não, disse o burro chuvisco. Você se livra dele, e vem outro lhe montar.

-Ele tem razão, argumentou o bode.

-Aí é que vocês se enganam, meus caros amigos. Livro-me primeiro dele, ou melhor, me vingo dele e depois fujo pra outras plagas, vou viver livre, sem dono, sem patrão, Disse.

-Gente, cuidado! Lá vem o homem. Avisou a tempo, o bode pirata, entre pigarros e a mascação.

E assim lá se foi ele mais uma vez. Vezeiro às trilhas solitárias, partiu como um cataclismo são. Sem indumentárias, quase a pelo pelos atalhos, lá se foi ajudar a procurar reses espargidas. Era assim, quer nos vales recamados de verde, quer nas planuras derruídas. Era assim, debaixo de sol, debaixo de chuva, sempre se ouvia o tropel do velho Tirol.

E quando já finda a labuta, quando a tarde já caía, aquele que o montava, apeou e sentou-se numa pequena pedra para descansar e puxar um cigarro.Esse intervalo foi o suficiente para que Tirol repensasse a sua vida de maneira definitiva. E refletindo, resmungou consigo mesmo: “Mas se num golpe de má sorte, eu, somente eu rolar para o fundo do penhasco? O capataz se livrará da morte e desse cavalo abestado. Não! pensando bem, tenho amigos, o feno aqui é tenro e a água é fresca e abundante, sem contar o cafuné da filha do patrão. Então, por que esse desvario me ronda a cabeça?”

E assim pensando voltou para casa o velho cavalo mouro. Quase nem sentindo o puxar das rédeas, as rosetas, a vara de marmelo e nem o peso de quem o montava.

Um mini conto de José Alberto Lopes.

SBC-17/08/2009

José Alberto Lopes
Enviado por José Alberto Lopes em 06/12/2010
Reeditado em 23/06/2022
Código do texto: T2656177
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