CONTOS RÁPIDOS

MEU AMIGO, ZÉ DA BODEGA

Eu tenho um amigo, um grande amigo (acho que posso falar assim, salvou a minha vida muitas vezes, depois eu explico esse moído) lá pros lados de Messejana, Paupina, pra ser mais exato. Não estão entendendo nada, não é? Ei, você que está me devorando com os olhos, Messejana é um distrito de minha amada Fortaleza, aqui no meu Ceará agreste, manjaram o babado? Pois é.

Sim, como eu dizia... Eu tenho um amigo aqui em Paupina, Messejana, o Zé da Bodega, o qual rotulo de o “filósofo das verdades não ditas”. Cá pra nós, não sabe fazer um Ó com uma quenga, mas quando abre a boca, sai de perto, só profere frases certeiras, embatuca a gente. Zé da Bodega, como o nome entrega, é bodegueiro. Sua bodega não é uma bodegazinha qualquer não, viu seu moço. Instalada numa casa toda alpendrada de cinco portas, as sacas de cereais com os beiços todo virados rodeando o alpendre, um balcão de alvenaria de um metro e vinte de altura por um de largura, separa o necessitado dos breguéssos miúdos (mas tentadores, segundo o Zé) como a garrafa de cana, o mocororó, o rolo de fumo, o rapé... Na verdade, o Zé da Bodega não tem empregado. Ele me pergunta:

- Pra que empregado, pra quê? Se eles gostam de andá poraí, iscoiendo as coisa, pesano. De quarqué jeito eles tem qui passá por mim. Aqui eu dô o tranco... (Acho que o modo de gerir dos atuais supermercados foi idéia do Zé...)

Bem, mas eu estar falando, o motivo, trazendo o Zé da Bodega à baila, não é esse e sim, as suas tiradas filosóficas. Sentado em cima de uma cangalha, rodeado de caçuás coalhado de mandiocas e macaxeiras, ele me alfineta:

Zé Augusto, ocê me conhece faz um tempão. Sô um omi vivido. Num tenho leitura, mas já fui comboiêro, cunheço este Siará todo, pra frente pra trás, já vi e vivi muita coisa... E nunca vi, me aquerdite, nunca presenciei nada de novo. Tudo é a merma coisa. Tudo é repetido. Adispois do dia vem a noite e adispois o dia. A gente nasce, a gente morre, todo dia. O pessoá inventa discurpa pra morte, Cuma se já não fosse certo a gente morrê: - fulano morreu... De quê? De sezão... Cuma se aquela pessoa num fosse morrê nunca. Zé Augusto, ocê que é letrado, me ispante, mi dêxe de zói arregalado com algum coisa que eu nunca vi... Por exemplo: um omi parindo, chuva caindo pra riba, minha mãe, qui já morreu, entrando aqui, agora, remoeno uma brejêra de fumo...

Eu fiquei olhando pro Zé da Bodega e confesso, sem respostas. Fiz o que faço toda vez que visito o meu grande amigo Zé da Bodega, quando parto: tomei uma lapada de cana e deixei com ele um grande abraço...

Sagüi
Enviado por Sagüi em 26/11/2010
Código do texto: T2637929
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