O amuleto
Colocou mais uma vez a mão no bolso e retirou a pequena algibeira, desatou o nó e contemplou o amuleto. O barqueiro permanecia calado à frente da canoa, remando com seus braços finos e fortes, habilidade de uma vida inteira; o passageiro compreendia aquele silêncio e permanecia calado. O rio tinha uma coloração verde de bronze oxidado, as margens eram de encontro a dois penhascos, ressaltando o poder da água que cortava a rocha, nas profundezas daquele rio mistérios ancestrais repousavam, estátuas e marcas de adoração ao longo do percurso lembravam constantemente disto.
Guardou o amuleto novamente no bolso, ele deveria ser usado na verdadeira jornada após a travessia. Suas vestes eram as típicas de um monge de sua ordem, a cabeça raspada marcava sua abnegação do mundo, o olhar sempre tranquilo e sereno, aproveitava agora aqueles últimos instantes para meditar. Havia um silêncio solene só quebrado pelo som das águas e um casual ranger da canoa, à medida que seguiam a correnteza se acalmava e o rio ficava mais largo. Sempre impassível, o barqueiro mantinha seu passo constante, absorto em sua tarefa.
Após uma curva o barqueiro exclamou algo em um dialeto perdido, era o sinal de que haviam chegado. O passageiro saiu do transe e encarou a pequena praia à frente deles, e mesmo sem nunca haver pisado naquela terra, sentia uma estranha familiaridade com o local. Aportaram e desceram, o barco foi amarrado em uma pilastra, ali há séculos pela aparência. O ritual parecia determinado, foi recitado um mantra e atirada uma moeda ao rio. Em um gesto natural o barqueiro encarou o monge nos olhos e lhe estendeu a mão aberta. Por um segundo ele relutou em entender, mas finalmente entregou a algibeira com o amuleto, não tinha mais posses agora, nem elos, só podia seguir em frente. O barqueiro ainda em silêncio guardou o volume no bolso e desatou o barco, não deixaria nada, nem mesmo sua despedida. O monge assentiu com a cabeça e virou-se para o penhasco enquanto a canoa tomava seu rumo de volta, tão silenciosa quanto chegara. Na pedra viam-se esculpidos degraus até o topo, estreitos e gastos pelo tempo milenar. Olhou-os e pôs-se a subir.
Pé ante pé, caminhou para seu destino.