Crônica de um Buraco Negro
Mais um sábado, mais uma vodca-com-qualquer-coisa, mais um nome sem rosto e, com sorte, um número de telefone. Brunos, Pedros e Gabriéis, todos sem retorno algum no dia seguinte, nomes, números, promessas tão baratas que ela nem sequer acreditava mais. A fumaça branca do cigarro era um oásis em meio a todo aquele barulho, toda aquela procura, aquele ciclo vicioso e aquelas pessoas. Ah, aquelas pessoas. Pessoas tão detestáveis quanto aquilo que as rodeava. Tinha nojo delas, tão senhoras de sua desgraça, tão parte de tudo aquilo. Não queria ser como todas elas. Não queria ser engolida pelo próprio buraco negro. Não queria que o novo fim desse lugar a um velho começo. Estava cansada daquela música alta demais e do gosto da vodca barata. Queria silenciar aquela melodia cansada que era soprada para fora dos alto falantes empoeirados, mas não conseguia, já que se sabia refém de seu próprio buraco negro.
Mesmo assim, o mais insuportável ainda era o rebote, o day-after, a ressaca, o hálito pútrido de cigarro e bebida, que lhe invadia o estômago vazio. Contrastando com manhãs ensolaradas, a ânsia de vômito era só mais um sintoma do vazio trazido pela incansável procura sem resultados, como ocorria em todos os outros sábados. A moça tentava disfarçar a angústia que invadia suas entranhas ainda no sono embriagado, e depois, tirando a maquiagem borrada, que lhe dava um ar quase de prostituta, decadente, fatigada pela procura incessante. Odiava sentir-se assim, tão suja, tão errada. Logo ela, libriana, tão acertada, no alto de seus 19 anos e com um futuro promissor a ser traçado. Olhando-se no espelho, com os enormes olhos castanhos empapuçados da constante decepção da procura, sempre tão bem disfarçada sob bases, pós e falsos sorrisos matinais, notou os pequenos lábios borrados de batom vermelho. Com nojo, sorriu para o espelho, debochando do próprio reflexo, da própria ruína.
Ainda trôpega, correu até o banheiro e vomitou. E vomitou de novo, enquanto procurava uma forma de se purificar, de não ser engolida pelo próprio buraco negro, de procurar um final feliz, ou até mesmo um recomeço. Tinha que assumir que se sentia incompleta e que havia sim uma falta que lhe doía, uma ferida que latejava em dias como aquele. O nó na garganta voltava e a moça, quase desacordada, tornava a vomitar. Sentia suas extremidades formigarem e suas orelhas aquecerem. Respirou fundo, aterrorizada. Não queria desmaiar, não podia desmaiar. Estava sozinha, completamente sozinha. Já mais calma, levantou-se e ligou o chuveiro. Entrou embaixo da água gelada ainda vestida. O vestido acinzentado colando ao corpo. Desesperada, a moça finalmente caiu no choro.
Naquele momento, decidiu que não seria mais refém do próprio buraco negro, afinal, havia atingido o fundo do poço. E atingir o fundo do poço não era uma meta louvável. Não que fosse procurar um psiquiatra, tomar remédios, se internar. Só não seria mais assim, não alimentaria mais aquele buraco negro, aquela necessidade de algo que talvez não existisse, aquela falta. Não sabia como, mas estava decidida, e sua decisão mudava tudo. Levou as mãos de unhas vermelhas ao rosto e – aliviada – enxugou os olhos, então desligou o chuveiro, enrolou-se em uma toalha e foi até a sala.
Era domingo e o dia estava quente, a janela aberta da sala soprava uma leve brisa no rosto da moça, iluminado pelo sol do meio-dia. Enquanto sentia a brisa e o sol no rosto, a moça acendia um cigarro, observando sua fumaça dançar no ar, iluminada pelo sol. Aquele era o primeiro do resto de seus dias. Ainda observando a fumaça, a moça sorriu, saboreando aquela promessa tão fresca.
Pela primeira vez em muito tempo, sentiu-se leve.