CanduraarudnaC
Primeiro entrou subitamente no quarto do casal no momento mais importuno aos sussurros de prazer e palavras de intenso amor. Logo em seguida, desceu às pressas os degraus que davam para o salão principal, espalhou algumas bolinhas-de-gude pelo tapete. Sorriu. Depois, arrastou uma cadeira até a cozinha a fim de alcançar onde seus pequeninos braços não alcançariam sem um apoio que o fizesse ser "o rei". Avistou o detergente de louça , deu um salto heroico ao chão e pôs-se a derramá-lo por todo o piso azulejado. Por fim, saiu sorrateiramente pela porta dos fundos, dirigiu-se ao animalzinho de estimação e soltou-lhe a coleira. O astuto Rambo correu desesperadamente em direção à casa, mirou a cozinha, farejou o ambiente e, antes que seu faro o enganasse pelo pelo perfume da glicerina que pairava na casa, subiu as escadas e, ouvindo o orgasmo insano do casal, pôs as patas dianteiras lentamente na porta e como uma criatura racional e instintiva avançou em dois saltos, subiu na cama e antes que os gritos de prazer ressoassem, um desesperador grito de pânico tomou conta do lugar.
Não sobrara mais nada, apenas as presas de Rambo alcançaram o homem num ato vampiresco. Parecia estar sedento por sangue. Mas ao sentir o gosto amargo do líquido humano, saiu acuado por seu próprio engano, deitou-se próximo à porta, baixou o focinho e culpou os olhos. Obedecendo seu instinto, a mulher correu desesperada ruma à cozinha e qual não foi sua surpresa, sentiu apenas sua cabeça ir de encontro à quina do balcão marmorizado. O sangue uniu-se ao líquido espalhado no chão. Do quarto, ouvia-se os gritos do homem que em seu desespero ultrapassou o para-peito parando no centro da sala, entre as bolinhas.
Ao silêncio absoluto, um assobio chama a atenção de Rambo, que desce a passos curtos os degraus, deitando-se próximo ao homem.
Aos toques insistentes do telefone, passaram-se seis dias até a chegada dos policiais que mal conseguiram permanecer na casa tal era o "perfume" do extermínio. Rambo não mais levantava nem seus olhos abriam. O menino divertia-se com seu jogo de bolinhas estrategicamente deixadas no tapete para que não perdesse uma única chance de pontuar no jogo. Perguntado pelo policial sobre sua idade, respondeu sem engasgar e com toda a certeza de ter feito a coisa certa por impedir que o pior acontecesse à sua Maria:
- Oito anos, Seu Polícia!