Guardar Chuva
O vibrar do celular contra a madeira da sua estante denunciava, era hora de acordar. Lentamente, abriu os olhos e observou pela pequena fresta da janela. Ainda chovia, pensou. Desejou secretamente que o dia começasse ensolarado para fazê-la sentir-se culpada por não sentir mais nada. Não que não gostasse da chuva, só que estava cansada de sentir-se como ela.
Levantou-se sem pressa, desejando um motivo qualquer para se atrasar e não comparecer à tortura diária que era aquela pequena e úmida sala de aula. Desejou ainda encontrar um motivo, por menor que fosse, para revoltar-se e dizer tudo aquilo que um dia tivera vontade de dizer, mas logo o pensamento foi embora. Vestiu-se com a mesma roupa de sempre, um uniforme, como ela mesma costumava dizer, e saiu de casa.
Embora não fosse mais inverno, o vento ainda cortava seu rosto e a umidade ainda subia por seus pés. Malditas botas, resmungou quase em silêncio. Mesmo estando atrasada, a moça andava sem pressa. Ao contrário da maioria, sentia-se confortável com o mau tempo. Recordou-se que ele também gostava de chuva, mas logo afastou o pensamento. Não era justo dividir apenas garoas de verão, queria dividir tempestades e enchentes, queria encharcar-se daquilo que sentia como quem toma um banho de chuva, queria chafurdar em seus próprios sentimentos e trazê-lo com ela.
Não era justo abrir as portas de seu mundo para alguém que não queria de fato entrar e fechar a porta atrás de si, não era justo amar sozinha, não mais uma vez. Não era justo atravessar tormentas e longas tempestades sozinha, não quando tinha a ensolarada promessa da companhia ao seu lado. Queria que o sol aparecesse e a fizesse seguir em frente, secasse suas feridas e aquecesse seu rosto.
A chuva enfraquecia e agora garoava. Decidiu que iria para o centro. Estava farta daquelas luzes fluorescentes e daquelas pessoas. Subiu no ônibus e procurou um lugar vazio. Da janela, observava os pingos correrem e as pessoas apressadas em função da chuva, quase achava graça de tanta implicância, era apenas água, pensou ainda, com um quase sorriso no rosto.
Ao chegar ao seu destino, que nem sabia bem qual era, entrou na primeira lancheria e pegou um café. Caminhou mais um pouco em meio a toda aquela multidão apressada e devidamente armada com sombrinhas, guarda-chuvas e capas até decidir que iria ao cinema. Já eram nove e quinze da manhã. Dirigiu-se então até a única sala de cinema da cidade que não havia fechado ou sido engolida por um shopping.
Entrou em alguns museus e encarou tais obras contemporâneas com uma certa dúvida em relação ao que elas realmente queriam dizer. Chegou a questionar se ela não passava a mesma impressão de uma certa forma, mas logo o pensamento virou nuvem e dissipou-se entre tantos outros.
Procurou a saída e, apressadamente, dirigiu-se ao cinema. Entrou na primeira sessão e, sozinha, assistiu a todo o filme, que não era dos piores, acabou com um final feliz.
Ao sair do cinema, deparou-se com o arco-íris no céu.