O cadáver e o gentil leitor
O cadáver e o gentil leitor
Por Ramon Bacelar
Respiração ofegante, olhos atentos, olha para direita, esquerda, cima, mas só abaixo é arrebatado pela pergunta que não quis calar, e que agora se transmuta na resposta que se recusa a morrer: interrogação serena, agora exclamação histérica.
Retina invadida pela realidade fria, rígida, macilenta e impedidos de dialogar com outros olhos pela falta da energia vital, os seus agora percorrem o pescoço esquelético, as maçãs ossudas, vislumbra a língua paralítica, mas eles não reagem, não por falta de luz ou breu persistente, mas pela carência de correspondência e sintonia. Toma coragem, encara-os novamente e é sugado pela espiral de escuridão dos dois abismos em fogo que agora o arrasta ao seu gélido universo monocromático.
E se agora você treme, sua e finge que não vê, é porque gentil leitor, estou feliz e saciado dentro de você.
FIM