Limbo
Visitava vários lugares, sem parar. Lembrava de uma canção antiga, “aqui posso fazer tudo a qualquer momento.”
No começo a sonolência era desconfortável, mas acostumou-se. Agora sonhava, deixando tudo correr como numa maré forte, sem olhar para trás. Às vezes, via dois ou três lugares ao mesmo tempo. Em outras, via uma floresta densa, com uma mesa de madeira entre as árvores menores e música vindo de algum lugar. Os ecos chegavam abafados, sons cansados e distantes. Era sempre assim.
Quando não era a floresta, era a praia. Lá o som das ondas era composto por vozes, sussurrando pensamentos ininteligíveis. Sempre acontecia à noite e a única luz era de uma estrela, um único brilho solitário no céu, de um azul tão escuro que se juntava às águas no fim do horizonte como se fosse uma coisa só.
Não reconhecia mais sua própria presença, perdera essa noção há muito tempo. Nunca esteve na floresta ou na praia ou em qualquer um dos lugares que via – apenas os via diante de seus olhos, como se entrasse numa pintura de três dimensões.
Tinha pouca noção de tempo. Ocasionalmente, quase conseguia contar alguns segundos, mas a ideia lhe escapava como se escorregasse entre seus dedos preguiçosos.
Seus dedos. Também esqueceu o que era tatear. A areia às vezes era uma gota d’água, ou vento, ou folhas de papel.
Mesmo com sons, era como estar sempre imersa em silêncio. Mesmo consciente, era como estar sempre com sono, entre o sonho e a realidade, ainda que a realidade também fosse um sonho.
Sempre queria que o mar a engolisse, para que pudesse sentir a água fria por toda sua pele, abrir a boca para engolir água salgada. Empurrar-se adiante ao horizonte, até que a maré desse conta sozinha de levá-la para longe.
Na floresta, queria deitar nas folhas secas, cobrir-se com elas até afundar na terra, tornando-se um pedaço de natureza, uma parte do todo. Em qualquer lugar, queria afundar e continuar afundando eternamente, até perder a consciência.
Não havia nada para temer, queria apenas sumir.