SÃO SEM JEITO

Antigamente tomar injeção era um negócio complicado, não existiam as seringas descartáveis que hoje em dia se compram por qualquer tostão.

Também eram raras as pessoas que detinham a técnica e habilidade bastante para fazer as aplicações, tanto que era comum verem-se as placas “APLICA-SE INJEÇÃO” nas portas dessas raras pessoas.

As seringas eram de vidro e havia o estojo de metal brilhante onde o conjunto ficava protegido antes e depois do uso, guardadas fora do alcance de incautos.

Na hora da aplicação das terríveis injeções, se colocava água de beber na parte funda do estojo e a seringa separada do êmbolo para não quebrar por conta da dilatação durante o aquecimento e as agulhas todas de metal protegidas por cânulas de metal fininho.

O fundo do estojo era então adaptado à trempe que acompanhava o conjunto e colocado na tampa invertida, que devia medir meio centímetro de profundidade, contendo o álcool a fim de formar o fogareiro que iria esterilizar tudo.

A água fervia, o álcool se consumia em labaredas azuis e o aplicador retirava as peças de dentro da água quente. Às vezes utilizando pinça, mas na maioria era com os dedos mesmo, tentando não se queimar.

Para retirar o excesso d’água e esfriar o conjunto, agitavam no ar, ou passavam nas palmas das duas mãos em movimentos rápidos. Muitos até sopravam as peças de vidro em frontal desrespeito aos princípios de higiene.

Para abrir as ampolas, existiam serrinhas de aço que eram guardadas com todo cuidado para não cegar e outras de papelão branco com vidro colado numa fenda em forma de V que tinham vida curta e geralmente a vítima da injeção, quando criança, ganhava para brincar.

Minha avó morava lá em casa e todas as vezes que algo caia de minha mão ela dizia:

- São Sem Jeito mandou lembrança.

Eu ouvia isso todo dia. Não sei dizer se eu tinha alguma deficiência ou se simplesmente era a falta de cuidado e a inconsequência próprias de uma criança com oito anos de idade, mas o fato é que quase tudo que eu pegava, escorria da mão.

Não eram raros pratos e xícaras de louça com pedaços destacados ou copos de vidro quebrados por conta do meu desembestamento.

O médico receitou para vovó uma série de seis injeções, não sei de que, e mamãe pegou emprestada a seringa de uma vizinha para meu pai fazer as aplicações.

No dia da devolução, haja recomendação.

- Leve o estojo com cuidado e entregue a dona Lúcia. Agradeça e volte logo. Cuidado que isso é de vidro e se cair vai quebrar, entendeu? Muito cuidado. Olhe por onde anda para não pisar em qualquer coisa. Cuidado. Isso é um objeto caro. Tome muito cuidado. Não invente de correr, que é para não cair. Tome muito cuidado. Cuidado ouviu? Cuidado!

Foi mesmo que nada.

A casa de dona Lúcia tinha um batentezinho na frente do portão. Bati e quando ela atendeu, eu disse:

- É a injeção que mamãe mandou entregar.

- Traga aqui, meu filho.

Não sei explicar como aconteceu, mas quando dei por mim estava esborralhado no meio do passeio de cimento queimado, o estojo mais adiante com o conteúdo espalhado e a seringa em pedaços.

Nesse dia levei uma surra...