Coisas da Selminha

Coisas da Selminha

Maju Guerra

Selminha era conhecida pelo seu desligamento e esquecimentos. Estabanada também, vivia se batendo nos móveis, paredes, parecia que viera de outro planeta. Como era inteligente, simpática e sempre bem-humorada, o pessoal mais próximo, já acostumado, dava o desconto, coisas da Selminha, diziam. De vez em quando, a criatura literalmente desaparecia dentro de casa, se isolava, ninguém conseguia encontrá-la. Uma amiga bastante próxima, antes da visita, costumava telefonar pra não perder a viagem:

- Oi, você está mesmo em casa? Já voltou daquele lugar pra onde você costuma ir e ninguém sabe onde é?

Selminha respondia:

- Malu, que pergunta boba. Se você me achou é porque estou aqui, ora bolas. Pode vir, já estou à sua espera.

Uma vez, Selminha precisou pintar o apartamento. Chamou um pintor muito bem recomendado, pessoa sisuda, de pouco riso e pouca conversa. Acertaram o preço, a comida seria encargo dela, o trabalho começaria oito dias depois.

Na data marcada, Selminha estava com um pé em cada mundo, mas foi em frente, o pintor era muito ocupado. O serviço começou com a raspagem das paredes, um horror. Na hora do almoço, ela foi falar com ele:

- Seu Antenor, o senhor quer almoçar agora?

Ele se voltou para ela, olhou-a bem sério e demorou um tanto para responder:

- Tudo bem, D. Selma, já estou indo.

Assim se passou a semana toda. Era Seu Antenor pra lá, Seu Antenor pra cá, e ele respondendo. Acabado o serviço, Selminha toda satisfeita terminou de fazer o pagamento. O pintor, ao final, comentou que precisava desabafar sobre o único acontecido que não fora do seu agrado. Só não se aborrecera de fato, devido à gentileza dela. A moça, espantada, quis saber o que ocorrera de diferente. Ele lhe respondeu de cara fechada:

-Sou homem de poucas palavras, D. Selma. Pois bem, o tempo todo a senhora me chamou de Antenor, eu respondi por educação. Mas por favor, não faça mais isso não, o meu nome é Valdemar.

Maria Julia Guerra.

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