Sobre Urucuns e Bétulas

A floresta tinha nos lábios um cheiro lívido de flores silvestres e parecia pulsar com as correntes de ar que a faziam de labirinto verde. Seu sangue era, quem sabe, parte dos tufões interligados as folhagens que se rompiam e que levavam com a gravidade as camadas de terra enegrecida.

Cheia de suavidades, uma pele presentemente se deslizava e também se diluía entre as multicores e a nudez de oscilações esverdeadas da clareira... Era a índia. As matas que ousavam encobrir as redondezas escarpadas abriam contorno das emolduras naturais, como uma janela que voltasse seus eixos diretamente embocados para o mar. Ao longe, bem ao horizonte azulado, pairava sobre as águas uma imensa cólera material, talvez fossem as mãos gigantes de Tupã mantidas em forma de cuia, entre os céus, buscando um enorme gole de água até que escorresse em seus lábios sedentos.

Os seios famintos de índia, vestidos de uma inocência nua, juntamente da velocidade de seus pés cruzaram a orla da floresta com imensa perfeição e cheios de virgindade. Logo, com o vôo das araras no mesmo sentido em que as articulações dos fenômenos celestiais se moviam, a imensa mão de tupã tocou a areia da praia.

Os olhos de Mani arregalaram-se com tanta divindade que via naquele exato momento: homens e mais homens descendo. Tinham pele clara, cabelos dourados como o de um raio de sol em torno das piscinas naturais onde se banhava todas às vezes. Não tinham expostas as peles, era grotesco ver aquela couraça bem trabalhada e cheia de fios pequenos que lhes emendavam as partes.

Estranho foi ter os olhos tão azuis daqueles homens fitando a sua retina, que ela, nem mesmo ela, sabia ao certo de que tons eram. Na verdade, estranho fora conhecer os caminhos apresentados pelo mapa de seus próprios olhos, observar que tinham um fitar misterioso e acastanhado, como os de uma pantera acuada, tudo graças a maravilha de um objeto pequenino e esférico, mas que se apresentava como o senhor da nitidez, da inversão e das superfícies. Algo forjado por aqueles homens, chamado de espelho.

Os céus se inverteram por longos tempos, as cores começaram a se refletir e se duplicar de maneira estranha. Não demorou para que o povo de Mani se apaixonasse pela sua própria face, diante daqueles espelhos planos: feitiçaria do povo pálido, quem sabe. Mas tampouco se demorou para que notassem a falta da derme de seus preciosos solos, do tronco das sagradas árvores que choravam um vermelho carmim, das aves plumosas em seus céus. Como era desgraçada a destruição vinda daquela pétala que revelava os reflexos da verdade em uma pureza tão insana, contida nas portas do mundo dos avessos...

Através do espelho, Mani e sua tribo viram espalhar-se o podre do adoecer, a gangrena implantada em seu mundo tão íntimo, de ramo em ramo. A calma invertera-se em caos, exatamente como as imagens do espelho polido se invertiam.

“E a vitória-régia se despetalou”.