O grito aprisionado...
O grito aprisionado...
Maju Guerra
Dentro de Ciça há um imenso grito preso, sufocado. Ela o conhece desde que se entende por gente, não consegue se lembrar quando ele surgiu. Ignorá-lo é impossível, costuma se manifestar em situações aflitivas, o permanecer calada só aumenta as dores. Sua percepção lhe diz que o grito começou bem pequeno. Como não foi gritado no momento certo, terminou por se entranhar em cada pedaço do seu corpo. Algumas vezes, chegou bem perto da garganta, procurava escapar, mas foi posto de novo no devido lugar. Com o passar dos anos, encarcerado e rebelde, cresceu, cresceu, até tomar proporções descomunais, até se converter em uma criatura apavorante.
Atualmente, o grito é o maior temor de Ciça. Sem coragem, é tomada pelo pânico ao pensar em soltá-lo. Existe a certeza concreta de que essa força aprisionada poderá causar sua morte, talvez uma catástrofe. Vendo-se sem opções, Ciça continua a agir como se acostumou a agir: grita pra dentro, nunca pra fora. Ela segue sofrendo um sofrer infinito, até o grito se tornar mais poderoso do que ela e se libertar...
Maria Julia Guerra (Maju Guerra).
O Grito Aprisionado (Conto Minimalista).