O SOFÁ DE MINHA AVÓ
Era todo prateado. Parecia-se com o assento especial de uma confortável nave interestelar e caberia nele ao menos três astronautas. O móvel tinha acabado de entrar pela porta da sala da casa de minha avó. Na verdade era um sofá velho que fora reencapado com um tecido em tom prata ou chumbo brilhante, de gosto extremamente duvidoso mas que, para a época, deveria ser o máximo em modernidade. Não pensei duas vezes: Aquela maravilha mereceria uma decoração ainda mais rica. Peguei um pedaço de giz de cera vermelho da minha caixinha de lápis e, com esmero, desenhei motivos infantis daqueles que só as crianças adoram dar de presente às paredes caiadas, exceto que utilizando para isso o encosto do sofá. Demorei um bom tempo com o desenvolvimento da composição, mas terminei por falta de espaço no encosto para mais. Minha obra não foi nada apreciada pelo tanto de tapas na mão e no bumbum que tomei quando minha avó e minha mãe entraram na sala e deram de cara, estupefatas, com a obra pronta. Depois do impacto inicial, ficaram as duas uns bons minutos digerindo desoladas os grossos rabiscos impregnados no sofá, como fazem os críticos de arte abstrata: - Vamos tentar limpar estes rabiscos, Lene – disse minha avó para mamãe. Enquanto eu assistia com os olhos esbugalhados do choramingo decorrente dos tapas, as duas procuraram eliminar os riscos de cera desesperadamente e por longo tempo... Acontece que acertei na mosca quanto ao material utilizado naqueles desenhos pois se feitos com caneta esferográfica creio que não fosse tão dificultoso de serem apagados e não deixasse tantos sulcos profundos no estofado. Depois de um longo tempo gasto com várias tentativas infrutíferas as duas sentaram-se prostradas e vencidas pela alta qualidade do trabalho realizado por mim. Por muitos anos ainda pude apreciar enquanto crescia aquele sofá prateado encardindo sem perder as marcas definitivas de meus traços artísticos, como um legado à família. Devo ter sido pintor rupestre dos bons em outra encarnação...