Voltar (inspirado no tango Volver de Carlos Gardel)
Vinte anos depois. Nem mesmo ela achava que voltaria, mas estava alí, sob a luz dos postes que marcavam seu retorno. A luz das estrelas, as mesmas estrelas que foram testemunhas indiferentes de suas inúmeras dores e ilusões, eram agora testemunhas de seu retorno.
Por dentro, sua alma tremia, e as recordações começaram a surgir.
Ele, domingo de manhã, lavando o carro e de vez em quando levantando a cabeça para acenar-lhe. Ele, conversando sobre futebol com o vizinho. Ele, contente em sua simplicidade, assistindo o jornal da noite. Ele, chegando as seis da tarde com a sacola de pão e o sorriso mais inocente do mundo.
E ela? Onde ela estava nestes momentos? Nem ela mesma sabia, pensa agora.
Seus passos ecoam na rua quieta e ela caminha de cabeça baixa. Uma boa quantidade de cabelos brancos lhe dão a certeza que cedo ou tarde voltamos ao mesmo lugar de onde partimos, detemos nossos passos e o eco, esse companheiro das sombras, que nos disse um dia: A vida é sua, o querer é seu! Agora emudece, como se olhasse e fizesse um ar de mofa. tinha esperança que o esquecimento não houvesse tragado sua imagem, sua presença, sua pessoa.
O portão da casa não era mais verde, mas branco. Sua mão o toca, trêmula. Ela voltava e, dentro do seu peito, a esperança humilde que era toda a fortuna de que dispunha agora, aferrava-se à doce recordação dos anos em que havia sido feliz e não sabia.