Meses de Mar
De dentro do ônibus, deixava para trás a cidade portuária, onde trabalhava. Ainda estava de uniforme, além de não ter havido tempo para trocar, gostava de usá-lo.Quando avistou da janela uma das estátuas da praça, lembrou-se de que não sabia mais o nome dela, e também da época em que escrevia versos. Lembrou-se daquele tempo, em que não corria contra o tempo, mas sim, era impulsionado por ele. Quando tinha pleno domínio do tempo em suas mãos, entre seus dedos finos.
E mais de dois terços da viagem já haviam passado, quando pensou em tirar caneta e papel da mala para denotar alguns versos. Mas, avenida reta e uniforme confirmava a sua constância, e de repente notou que perdera a espontaneidade e alegria da infância. Não lhe custaria muita energia, nem muito dinheiro, pegar o necessário para organizar suas feições e pensamentos num papel. E chamaria depois, então, aquelas letras e versos, de “poesia”, e poeta novamente seria.
O certo é que seu coração quase se rompia de saudade. Estes três meses de mar o fizeram enjoar daquela imensidão. Fazia de tempos em tempos estas viagens, e apesar de todas terem a mesma duração, esta última pareceu-lhe longa demais. Sempre gostou do mar, mas detestava ir a praia, sua sede era realmente ir para o alto mar. Gostava mesmo era de ir ao cais e sentir o vento úmido noturno a arrepiar seu corpo magro, o que sempre dizia em seus versos, os mesmos que o tempo lhe tirou.
Olhou então que já chegava ao destino, de volta a sua casa. Surpreendeu-se então, na entrada, uma igreja evangélica nova do bairro, o qual lhe parecia desconhecido. Desde o embarque pensou em sua esposa. Sua ânsia de vê-la, sua querência de tê-la, o fizeram muito infantil. Estando assim, esperançoso, como quando olhava o mar pensando em seu futuro, com as lágrimas retidas em seus olhos castanhos.