OLHAR DE PROA
 
À proa do barco, encantava-me a passagem veloz das margens nuas, ora povoadas de matagais amarelecidos, verdejantes. Embevecia-me sentir o rosto salpicado de gotas dágua que saltitavam como que escapando da quilha navalhosa da embarcação rústica partindo ao meio o rio de águas límpidas à minha vista, sem pudor, revelando-me suas entranhas feitas de cascalhos irregulares, musgos mergulhados. Fascinava-me. Não sei se as margens, o rio, o barco, tudo corria velozmente. Nada me espantava. Era belo, só belo, simplesmente belo. De repente, as margens se alargaram, as águas ficaram turvas, o barco moroso. Cobravam-me braços. Ganhei um remo. A planície, as matas amarelecidas, verdejantes ladeavam-me em outro significado. O barco era empurrado não sei pra onde. O rio virou serpente lodosa, esguia, volumosa, profundo, raso. Não raro, passagens sinuosas, estreitas. O barco levado a muque, era preciso, não sei pra onde. Ninguém sabe. À frente, brumas negras, espessas. Não existe horizonte, só um silêncio abissal, sem vestígios do imponderável. Não se ouve nada. Nada que indique uma precipitação, uma corredeira, mas, um cheiro de abismo além das brumas. O rio parece levar o barco. Nas mãos, já calosas, o remo é um adorno fútil. O barco se arrasta. O sol se reflete tingindo as margens, as águas. O vento crepuscular tange narinas adentro um cheiro inconfundível de abismo...

Joseoli
Enviado por Joseoli em 30/06/2010
Código do texto: T2350268
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