Dois Anos e Meio
Ele tinha os olhos mais azuis que Macondo poderia ser, era um Buendía, falava pouco. Era uma voz grave que ele soltava pra dentro e ela mal ouvia, demorou em se acostumar e entender o que ele dizia, o que dizia com os olhos translúcidos que tinham tanto tom de amarelo-gato. Eles se amaram escondidos nos terraços, em cima das mesas, e na porta das garagens. E então ela foi embora e ele ficou.
Dois anos e meio, ele disse.
Três, ela corrigiu.
Dois anos e meio, ele falou outra vez, mais firme do que nunca falou nada, tão firme quanto escreveu no papel rosa da hello kitty “Atenção!”.
Ela sabia que ele estava certo. Doeu um pouquinho, ela já estava apodrecendo por dentro, mas foi em frente com o rancor dos beijos na testa. Ele usava um anel na mão direita, tinha topete e uma sandália preta e laranja, ele era Outro, com os mesmos olhos azuis Macondo. Ela foi viciada e estuprada, comeu terra e sacudiu os ossos dos mortos, virou atriz e desenhista e dançarina, sempre seguida pelas borboletas amarelas, morreu três vezes naquela mesma pedra.
Ele disse com desprezo: Você ainda rói as unhas.
Ela foi andando e chorou com os pés sangrando, sentou no balanço do parque e chorou, chorou a alma apodrecida, parte dela morreu naquele dia, dia dos dois anos e meio, e balançou. Sempre teve medo de balanço, mas dessa vez não teve a sensação de presságio de sempre, não deu medo.
E ela balançou, balançou, foi mais alto do que nunca, balançou a tarde toda, e subiu aos céus como Remédios, a Bela.