Expressão de Luz
Faz tempo que não te vejo. Vago esse sentimento transviado de sensações mal ditas, mal sentidas. Era uma realidade perceptível e dura, ela era sozinha. E não adiantaria procurar vestígios de paraísos, naquele amor irreversível. Pois era uma solidão recalcada, medida em ângulos exatos.
Por tantas vezes abriu a janela para ver descer o sol, na esperança que por ali mesmo entrasse um passarinho qualquer, que a enchesse de beijos. E fugia, pressentia, e fingia logo, alguma nostalgia que sempre ficava guardada. De certa forma andava de mãos dadas com o vento, e antes mesmo de perceber que necessitaria de uma sobrevivência que ultrapassasse um, fingia alguma felicidade instantânea para se esconder.
Tudo isso, porque em uma tarde qualquer de devaneios, sentiu um friozinho entrar pelas suas entranhas. E de repente viu, que poderia ser e fazer o que quisesse, que se planejasse poderia viajar para todos os lugares do mundo. Mas nunca conseguiria amar, ou amar novamente.
Será que os Deuses de algum plano decidiram privá-la de tal satisfação? E de que adiantaria? Tudo que houvesse se quebraria, nada teria sentido, nem sequer um amigo resolveria a tensão que caía sobre seus ombros.
Porque a sentença é verdadeiramente pesada de ser pronunciada assim, crua e nua, sem neuroses. Se precisasse, aquela mulher que já atingia os 30, poderia ficar tardes inteiras pensando se realmente existia. Sim, ela não poderia estar viva, pois quem vive, sente, ama, e ela apenas sobrevivia.
Foi no silêncio daquela noite, enfrente a um lago que esbanjava beleza repleta de luz, que chorou pela primeira vez. Era intenso, denso o que sentia dentro de si. Como se lhe saíssem todas as vísceras, como se o coração já tivesse explodido, como se a alma já tivesse sido quebrada.Chorava como uma criança sem colo de mãe.
Percebeu que nunca tinha vivido intensamente, sempre havia planejado e nunca realizado, sempre sonhara mas nunca tivera a sensatez de provar, que sempre olhara as pessoas passarem mas nunca as tinha visto de verdade. Percebeu, que era dura, que era fria, sem sentimento, sem amor, sem vida, sem ódio, sem raiva. Era apática, cheia de algo que não possuía.
Decidiu que resolveria, que teria que resolver todos esses conflitos. Olhou bem para o lago à sua frente. Tirou os sapatos devagar, fez uma evocação qualquer, uma espécie de último encontro com seu próprio espírito. E pulou. Sentiu como se agulhas lhe perfurassem todo o corpo, a temperatura do lago devia estar em torno de -8°C. E iam apontando fincadas por toda parte. Incrivelmente naquele último instante que sobreviveu, percebeu a beleza de sua existência. A dor que estava sentindo ali, já não era mais dor, era um prazer quase em carne viva. Dilacerante. Foi perdendo aos poucos os movimentos, foi sentindo ir embora os sentidos de seus membros, já respirava com fraqueza. Quase sem consciência sorria, e acabou aquele fio de vida, com uma expressão de luz.