O quilombo
João finalmente chegou ao limite do antigo quilombo. Então as velhas lendas estavam certas... Ali estava o quilombo escondido no meio da mata, aonde os antigos escravos vinham vivendo e se autodirigindo em comunidade, há mais de trezentos anos. Viviam em felicidade, na ausência de egoísmo, uma ilha de paz dentro do turbulento e injusto Brasil que os senhores de escravos fabricaram e que prevalece até hoje... Era o que João precisava. Trabalhar em paz a terra com espírito de colaboração, viver a cultura simples de sua gente.
Sabia que seria difícil ser aceito. Em sua loucura, inocentemente, acreditava que cobrindo o corpo de barro esconderia a pele branca, que permanecendo calado seria aceito, já que não falava idiomas africanos.
No momento em que o deixei, estava imerso num charco, emporcalhando-se com o barro. Mal sabia ele que não existia quilombo algum. E que estava diante de um acampamento de garimpeiros, onde a garrafa de guaraná custava quinze dólares. E que o tal charco estava coalhado de larvas de esquistossomo.
Eu sabia disso tudo, mas era impossível falar com João. Ele havia ultrapassado o limite da razão, havia invadido, sem possibilidade de retorno, a faixa da insanidade, batido pelos muitos anos de procura. Eu sabia que aquilo não era quilombo. E que se esse quilombo existe, está em alguma outra parte.