RASGOS E CORTES
Era uma vez um casal. Qualquer, como outros moradores de cidade gigante. Rotina corrida: empregos, lanches na pressa, novela, futebol e cansaço.
Um dia, o homem recebe oferta de posição administrativa da empresa, na China. A mulher coloca a louça do jantar na lavadora e concorda com a mudança.
Marido surpreende-se com indiferença da companheira. E seguem iguais os dias. Ela demite-se do cargo de diretora de marketing da BomSono. E inicia os preparativos para a mudança: separa o que vai daquilo que ficará , em caixas, no sótão da casa de sua mãe.
Chega, finalmente, à última etapa: o quarto do casal. E vai jogando gravatas, meias velhas, sapatos, casacos, cintos. Uma gaveta desgoverna-se de seus trilhos. Cai no piso de porcelanato.
A mulher olha sem entender. Há um fundo falso e dele rola uma caixa verde comprida e fina.
Caminha ajoelhada entre peças e complementos de vestuário. Examina o objeto. Desconhecia-o.
Abre a caixa:cartas, fotos, uma mulher. E seu marido sorrindo abraçado a tal de cabelo crespo, óculos e dentes tortos. Sempre a mesma.
O que fazer? Pega a caixa e a enche com cortes de aventuras e sorrisos encaracolados.
Finaliza primeiro os caixotes. Coloca os segredos do abalone esverdeado em de sua sacola vermelha de verniz , pega o carro e vai ao lixão.
Há um vento que sopra rasgos de seu amor entre urubus e porcos. Vai ao cinema.
Tres semanas depois, partem para a China. A mulher acomoda-se na poltrona confortável da classe executiva e adormece . Ainda é dia com o horário de verão.
O marido olha pela janela como um peixe meio morto. De repente, vê papéis voando. Olha sua mulher adormecida. E os papéis, pouco a pouco, grudam-se a sua janela. Lá estão eles abraçados em Marrocos. Agora é Roma.
Chama a comissária de bordo. Sua mulher dorme. Pede explicações sobre os papéis que escurecem sua janela. A moça não entende. O marido começa a gritar e a correr pela aeronave. Sua mulher dorme. O homem tem um mal súbito no corredor, antes mesmo do espumante e dos canapés de caviar vermelho.
O voo prossegue. A mulher acorda. O comandante comunica-lhe, com muito cuidado, que seu marido falecera. Ela apenas entreabre um sorriso e diz:
“-Eu sei,”enquanto estoura ovas gordas de caviar entre os dentes.
Era uma vez um casal. Qualquer, como outros moradores de cidade gigante. Rotina corrida: empregos, lanches na pressa, novela, futebol e cansaço.
Um dia, o homem recebe oferta de posição administrativa da empresa, na China. A mulher coloca a louça do jantar na lavadora e concorda com a mudança.
Marido surpreende-se com indiferença da companheira. E seguem iguais os dias. Ela demite-se do cargo de diretora de marketing da BomSono. E inicia os preparativos para a mudança: separa o que vai daquilo que ficará , em caixas, no sótão da casa de sua mãe.
Chega, finalmente, à última etapa: o quarto do casal. E vai jogando gravatas, meias velhas, sapatos, casacos, cintos. Uma gaveta desgoverna-se de seus trilhos. Cai no piso de porcelanato.
A mulher olha sem entender. Há um fundo falso e dele rola uma caixa verde comprida e fina.
Caminha ajoelhada entre peças e complementos de vestuário. Examina o objeto. Desconhecia-o.
Abre a caixa:cartas, fotos, uma mulher. E seu marido sorrindo abraçado a tal de cabelo crespo, óculos e dentes tortos. Sempre a mesma.
O que fazer? Pega a caixa e a enche com cortes de aventuras e sorrisos encaracolados.
Finaliza primeiro os caixotes. Coloca os segredos do abalone esverdeado em de sua sacola vermelha de verniz , pega o carro e vai ao lixão.
Há um vento que sopra rasgos de seu amor entre urubus e porcos. Vai ao cinema.
Tres semanas depois, partem para a China. A mulher acomoda-se na poltrona confortável da classe executiva e adormece . Ainda é dia com o horário de verão.
O marido olha pela janela como um peixe meio morto. De repente, vê papéis voando. Olha sua mulher adormecida. E os papéis, pouco a pouco, grudam-se a sua janela. Lá estão eles abraçados em Marrocos. Agora é Roma.
Chama a comissária de bordo. Sua mulher dorme. Pede explicações sobre os papéis que escurecem sua janela. A moça não entende. O marido começa a gritar e a correr pela aeronave. Sua mulher dorme. O homem tem um mal súbito no corredor, antes mesmo do espumante e dos canapés de caviar vermelho.
O voo prossegue. A mulher acorda. O comandante comunica-lhe, com muito cuidado, que seu marido falecera. Ela apenas entreabre um sorriso e diz:
“-Eu sei,”enquanto estoura ovas gordas de caviar entre os dentes.