O marechal e eu

- O marechal é uma cavalgadura, cuidado quando falares com ele. Por um nada te cobre de impropérios. É capaz de declarar uma guerra só para poder te fuzilar – me confidenciou, em voz baixa, o secretário, na antecâmara.

Fui conversar com o homem cheio de dedos, cautelosamente. Escutava as suas perguntas com medo de dizer sim ou não, nosso diálogo lembrava uma daquelas fábulas, o lobo e o cordeiro, e eu era o cordeiro.

Vi que estava perdido. Quaisquer que fossem as minhas respostas, o homenzinho idoso, de quase cem anos de idade, iria mesmo montar na minha cacunda e tacar as esporas!

Então resolvi sair dali, pelo menos, com a minha honra preservada. Não iria ofende-lo, afinal é um homem idoso e respeitável. Muito menos bater boca com ele, discutir com o som da sua voz grave, entre baixo e barítono, cheia da entonação própria das autoridades, com aquele discurso da centro direita dos anos trinta, a voz tonitruante, acostumada ao comando. Muito menos sairia de cabeça baixa, com um humílimo “sim senhor”.

Eu simplesmente esperei a sua energia verbal se esgotar, e, numa pausa, antes que ele dissesse o “ponha-se daqui para fora”, murmurei baixo, mas suficientemente alto para que ele escutasse:

- Sabe, senhor marechal, o seu problema é que o senhor não pode nem morrer, não pode dar-se a esse luxo.

- O que o senhor quer dizer com isso? - perguntou espantado.

Eu também não sabia muito bem o que a frase significava. Queria dizer, provavelmente, que se ele morresse a sua grande obra desmoronaria como um castelo de cartas.

Então o vi como humano, com todo o sofrimento, um homem lutando por um sonho, pela ambição de deixar a sua marca na história, por uma ilusão.

Não havia como esclarecer para ele tudo isso em duas palavras, nem como voltar atrás e apagar os registros da grande burrada de ter falado em morte para alguém que se julga imortal.

Olhei para o seu rosto lívido, que acumulava forças antes da explosão final, e pude apenas dizer:

- Até a vista, senhor marechal.

E escutei com todas as letras:

- Ponha-se daqui para fora!

Mas aí eu já ia longe.